16 FATOS MARCANTES DO DIA 15/11/1889
A República no Brasil nasceu aos trambolhões pelas mãos de um general que, até então, havia jurado lealdade eterna ao monarca. E só não foi abortada graças à má pontaria do ministro da Marinha que disparou contra o marechal Deodoro. O povo assistiu a tudo bestializado, como disse Aristides Lobo, sem compreender o que se passava. A maioria não viu com bons olhos aquela aventura, pois, como se sabe, a questão não é saber como começa um golpe de força, mas como ele acaba. Listamos a seguir, as circunstâncias e os fatos imediatos que marcaram a proclamação da República no Brasil. Por eles percebemos que nem sempre a história se desdobra de maneira coerente e que as situações e os personagens podem mudar inesperadamente.
Então
16. As novas ideias: tudo junto e misturado É recorrente afirmar que entre o final do século XIX e início do XX, foi uma época de grande movimentação de ideias: liberalismo, positivismo, socialismo e anarquismo. Contudo, tais ideias no Brasil estavam longe de reproduzir o pensamento original, importado da Europa. “Elas misturavam-se e combinavam-se das maneiras mais esdrúxulas na boca e na pena das pessoas mais inesperadas. (…) Tudo era, sem dúvida, um pouco louco. Mas havia lógica na loucura (…)”. (CARVALHO, 1987).
15. Os republicanos: fracos e sem coesão Entre os republicanos também não havia consenso sobre o tipo de República que pretendiam e muito menos como ela seria implantada. Campos Sales lembra que a falta de coesão do Partido Republicano na Corte era o principal obstáculo ao desenvolvimento da ideia republicana (CARVALHO, 1987). Os republicanos civis também estavam divididos em relação à conveniência de se aliar aos militares para derrubar a monarquia.
Além disso, o Partido Republicano tinha uma modesta força eleitoral. Em agosto de 1889, na eleição para a Câmara dos Deputados, os três candidatos republicanos na Corte receberam apenas 12% dos votos. Nas províncias, o partido tinha alguma força apenas no Rio Grande do Sul e em São Paulo.
14. A popularidade da Monarquia A Monarquia caiu quando atingia seu ponto mais alto de popularidade entre a gente pobre, especialmente ex-escravos. A abolição foi comemorada pelo proletariado da capital (CARVALHO, 1987) com enormes festejos que reuniu multidões e era reavivada em todas as comemorações oficiais do império, como o aniversário do imperador a 2 de dezembro. Erguiam-se vivas a D. Pedro II e à princesa Isabel, chamada “a Redentora”. Para essa população, a campanha republicana era uma traição ao imperador. Para defender a Monarquia e deter o avanço dos republicanos, José do Patrocínio organizou a Guarda Negra formada por ex-escravos entre os quais havia negros capoeiras. Seu principal alvo eram os comícios republicanos dispersados por tumultos onde não faltam navalhas e golpes de capoeira.
13. Indefinições e incoerências entre os republicanos Desde o início de novembro conspirava-se contra o governo imperial, principalmente nos quartéis do Exército. Tramava-se a derrubada do ministério liderado pelo visconde de Ouro Preto, apontado como hostil aos militares. Mas somente uma parte da oficialidade, os mais jovens, defendia derrubar a monarquia e instalar a República no Brasil. Buscando apoio de um militar de prestígio, os republicanos se aproximaram do marechal Deodoro da Fonseca, um monarquista que declarava ser amigo do Imperador e lhe devia favores. Além disso, era conhecida sua posição antirrepublicana, considerava a República uma “verdadeira desgraça” (CASTRO, 2000). Não foi fácil convencer o velho marechal de 62 anos, ele relutou em assumir a liderança do movimento contra o governo imperial e sequer aceitava a hipótese de proclamar a República no Brasil. O governo sabia das intenções dos republicanos para derrubar a monarquia. O célebre Baile da Ilha Fiscal, no dia 9 de novembro, para o qual tanto se empenhou o visconde Ouro Preto nos preparativos e na ostentação, tinha a intenção de mostrar a solidez da monarquia contra as conspirações republicanas. “O último baile do Império” (detalhe), óleo sobre tela, Francisco Aurélio de Figueiredo e Melo, 1904, Museu Histórico Nacional.
12. Dia 11 de novembro: a conspiração Foi na noite do dia 11 de novembro de 1889 que ocorreu, na casa do marechal Deodoro, a reunião decisiva para o golpe. Nela participaram militares e civis entre eles: Benjamin Constant, Quintino Bocaiuva e Rui Barbosa. O marechal estava de cama, gravemente enfermo, com crise de asma e mal conseguindo falar. Temia-se que morresse a qualquer momento. Contudo, foi nesse encontro que Deodoro decidiu que lideraria o movimento. Restava definir a data e havia duas possibilidades: 16 de novembro, sábado ou 20 de novembro, quarta-feira. Casa Histórica de Deodoro onde os conspiradores republicanos se reuniram. Localizada na Praça da República, 197, no centro da cidade do Rio de Janeiro. O imóvel pertence ao Museu Histórico do Exército e Forte de Copacabana.
11. Dia 14 de novembro: um boato precipita o golpe Um boato espalhou-se pelo centro do Rio de Janeiro: dizia-se que o governo havia mandado prender Benjamin Constant e Deodoro da Fonseca. Falava-se também que o primeiro-ministro Ouro Preto planejava dissolver o Exército e substitui-lo pela Guarda Nacional, supostamente mais fiel à Monarquia. O boato antecipou o movimento. À noite, tropas do exército se rebelaram. Ouro Preto ordenou ao marechal Floriano Peixoto que mandasse prender os revoltosos. Floriano, contudo, não cumpriu as ordens. Por segurança, Ouro Preto transferiu-se para o Arsenal da Marinha e despachou um telegrama para o imperador, que se encontrava em Petrópolis, avisando sobre a revolta militar. D. Pedro II só leu o telegrama na manhã seguinte, 15 de novembro, por volta das 11h, quando já era tarde demais.
10. Dia 15 de novembro: no Campo de Santana Ao amanhecer do dia 15, Ouro Preto e seus ministros refugiaram-se no quartel-general do Exército, situado no Campo de Santana, onde esperavam organizar a resistência contra os militares rebeldes. Mas foi um erro estratégico fatal: o Campo de Santana era o local para onde estavam marchando as tropas rebeladas. A maioria dos soldados que integravam as tropas rebeladas incluindo alguns oficiais não sabia o que estava acontecendo, apenas obedecia às ordens de seus superiores. Soldados e oficiais foram, na verdade, participantes involuntários (CASTRO, 2000). No quartel-general, Ouro Preto supunha estar sob segurança do marechal Floriano Peixoto e do general Almeida Barreto. Ledo engano: o primeiro continuou impassível deixando as coisas acontecerem e o segundo passou para o lado das tropas rebeladas.
09. Deodoro derruba o governo, mas não a Monarquia O marechal Deodoro, que passara a noite em claro com outra crise de dispneia, estava tão debilitado que tomou uma charrete para ir ao encontro das tropas. Ao chegar próximo do Campo de Santana, pediu para montar a cavalo e foi-lhe dado um cavalo baio manso. Eram cerca de 9h do dia 15 quando entrou no quartel-general decidido a prender o primeiro-ministro Ouro Preto. Sobre este episódio, crucial para selar o desfecho do movimento, há controvérsias do que teria ocorrido. Em uma versão, o marechal Deodoro, teria cometido um lapso constrangedor: deu vivas a Sua Majestade o imperador, à família imperial e ao Exército conforme exigiam as normas regimentais. Segundo outra versão, ele teria reprimido energicamente um jovem oficial que soltara um “viva à República”. De qualquer maneira, Deodoro ao prender Ouro Preto não estava proclamando a República e em seu pronunciamento não fez qualquer menção à queda da monarquia. Ao contrário, deu a entender que a monarquia continuava pois afirmou que levaria pessoalmente ao imperador a formação do novo ministério. “O imperador, tem a minha dedicação, sou seu amigo, devo-lhe favores. Seus direitos serão respeitados e garantidos”, concluiu (HOLANDA, 1972). Enfim, o suposto grito de “Viva a República”, do marechal Deodoro da Fonseca, nunca ocorreu. Naquele momento, caiu o governo, isto é o ministério, mas não a monarquia.
08. O barão ruim de tiro Ainda na manhã do dia 15, o barão de Ladário, ministro da Marinha, chegou ao Campo de Santana para se juntar ao ministério no interior do edifício. Talvez ainda não soubesse o que tinha ocorrido. Deodoro ordenou a dois tenentes que o prendesse. Em vez de se render, o ministro sacou uma pistola e deu-lhe um tiro que, porém, desviou-se. Imediatamente os tenentes revidaram, ferindo o ministro com quatro tiros. Levado a um hospital, o barão de Ladário milagrosamente sobreviveu. Foi a única vítima do golpe. Semanas depois, já recuperado, anunciou seu apoio ao governo provisório republicano. Atentado contra o Barão de Ladário, ilustração de M. Parys, publicado no “Le Monde Illustré”, Paris, França, nº 1.708, 21/12/1889.
07. O hiato constrangedor Seguiram horas de indefinição constrangedora. Nada aconteceu exceto a liberação de Ouro Preto pois Deodoro logo voltou atrás permitindo que o primeiro-ministro se recolhesse em casa. O governo fora deposto, a República não fora oficialmente proclamada e D. Pedro II ainda era o imperador. O país estava sem poder Executivo e sem poder Legislativo pois os novos deputados e senadores eleitos em agosto só tomariam posse no dia 20. Em Petrópolis, o imperador esperava que Deodoro viesse lhe ver e explicar o seu gesto – o que jamais ocorreria. Deodoro não queria encarar de frente o velho monarca de quem era amigo pessoal e voltou para casa com uma forte crise de asma.
06. Em nome do povo brasileiro (porém, ausente) No final da tarde do dia 15, um punhado de republicanos civis resolveu formalizar a abolição da Monarquia. Entre eles, estava José do Patrocínio que, até a véspera era monarquista convicto. Foi ele quem, em maio de 1888, chamou a princesa Isabel de “a redentora de uma raça” e organizou a Guarda Negra para defender a monarquia (veja o item 3). Com o apoio de Patrocínio, meia dúzia de jornalistas e intelectuais (GOMES, 2013) republicanos reuniu-se na Câmara de Vereadores do Rio de Janeiro e anunciou que “o povo, reunido em massa na Câmara Municipal, fez proclamar, (…) após a gloriosa revolução que aboliu a Monarquia no Brasil, o governo republicano”.
05. Enfim, a República. Por convicção ou rivalidade pessoal? Já era noite, no dia 15 de novembro quando Deodoro finalmente convenceu-se de formalizar a queda da monarquia e anunciar a instituição da República no Brasil. O motivo decisivo foi a notícia de que o imperador pretendia convocar o liberal gaúcho Gaspar da Silveira Martins para organizar o novo ministério. Silveira Martins era arqui-inimigo de Deodoro a quem chamava pejorativamente de sargentão. A rivalidade entre eles cresceu ainda mais quando cobiçaram a mesma mulher, a baronesa do Triunfo que, ao final, preferiu o civil gaúcho ao oficial alagoano. Deodoro não podia aceitar ver um inimigo como primeiro-ministro e, com isto, concordou em assinar o decreto que institui o governo provisório republicano.
04. Uma República provisória por 104 anos O decreto assinado por Deodoro na noite do dia 15 de novembro trazia o seguinte: “Fica proclamada provisoriamente e decretada como forma de governo da Nação Brasileira – a República Federativa”. Isso significa que, depois de horas de indefinição, a proclamação da República era provisória! De acordo com o artigo 7º, se aguardaria “o pronunciamento definitivo da Nação, livremente expressado pelo sufrágio popular” – prevendo um plebiscito que confirmaria ou não a República no Brasil. O plebiscito só seria realizado em 21 de abril de 1993, ou seja, 104 anos mais tarde. Foi o regime provisório mais longo da história!
03. Em nome do povo, outra vez ausente Foi somente no dia 16, sábado, que o governo provisório republicano, mandou publicar uma nota comunicando a mudança de regime: “Concidadãos: o povo, o exército e a armada nacional em perfeita comunhão de sentimento com os nossos concidadãos residentes nas províncias, acabam de decretar a deposição da dinastia imperial e consequentemente a extinção do sistema monárquico representativo (…)”. Pedro II só foi oficialmente comunicado às 3h da tarde do dia 16 de novembro, em Petrópolis. Os republicanos no lugar de uma delegação de alta patente ou de políticos de prestígio confiaram a missão a um simples major, Frederico Sólon Ribeiro, uma atitude no mínimo desrespeitosa. Ao entregar ao imperador o documento que anunciava o novo regime, o major cometeu duas vezes a gafe de chama-lo de “Vossa Majestade”. Um imperador destronado, mas ainda com a majestade reconhecida por quem o derrubava do trono!
02. A partida da família imperial Pedro II marcou sua partida para a Europa para o dia seguinte, 17 de novembro, às 2 horas da tarde. No entanto, o governo provisório republicano, amedrontado que houvesse manifestações favoráveis ao ex-imperador, comunicou que a partida deveria ser imediata: antes de amanhecer o dia 17. Dizem que o imperador teria perguntado se Deodoro estavam “no meio disso” e, ao ouvir a resposta positiva, teria afirmado: “Não sou negro fugido. Não embarco nessa hora. Os senhores estão doidos!”. Acabou concordando, porém. Por volta das 23 horas do dia 16, tropas fecharam as ruas ao retorno do Largo do Paço e do cais do porto impedindo o trânsito. Os republicanos não queriam que a população viesse se despedir do imperador ou, talvez, impedir sua partida. A família imperial foi acordada pelos militares à 1h da madrugada que exigiram seu imediato embarque. Eram 3h da madrugada, do dia 17 de novembro, sob uma chuva fina, que D. Pedro II, sua família e alguns amigos da Corte embarcaram rumo a Portugal. Poucos dias depois, o ex-imperador sofreu outro choque: a ex-imperatriz Teresa Cristina faleceu, aos 67 anos, em 28 de dezembro de 1889, no Grande Hotel do Porto onde a família estava hospedada. D. Pedro sofreu ainda o desgosto de ver seu neto primogênito e predileto, Pedro Augusto, com 23 anos, ser internado por problemas mentais em uma casa de saúde na Áustria, de onde nunca mais saiu. O Paço Imperial (construção colonial à esquerda) foi residência de D. Pedro I e D. Pedro II. Foi ali que, a 9 de janeiro de 1822, D. Pedro I decidiu ficar no Brasil (Dia do Fico). Foi, também, o local onde a princesa Isabel assinou a Lei Áurea, 13 de maio de 1888. Dali partiu a família imperial para o exílio na madrugada do dia 17 de novembro de 1889. Ao fundo, o Convento do Carmo, a torre sineira junto à Antiga Sé, e mais à direita, a igreja da Ordem Terceira do Carmo. Em primeiro plano, no centro, o chafariz do Mestre Valentim, onde a população vinha pegar água.
01. O fim (ou perda?) do acervo imperial O decreto republicano de 23 de dezembro de 1889 proibiu que a família imperial tivesse imóveis no país, e concedia o prazo de seis meses para a liquidação das propriedades existentes. Destinava também uma ajuda de 5 mil contos para o estabelecimento do ex-imperador no estrangeiro que, no entanto, rejeitou a quantia. Entre agosto e outubro de 1890, foram realizados leilões, treze ao todo, dos bens da Casa Imperial, no Palácio da Boa Vista, Paço de São Cristóvão e Palácio de Petrópolis. Porém, antes disso, em julho de 1890 quando o leiloeiro Joaquim Dias dos Santo começou a catalogar os objetos imperiais, muita coisa já havia sumido dos palácios e, mesmo depois, outro tanto desapareceu, como o lote 954. Ainda assim, os objetos somaram 2.345 lotes sem contar com objetos das cozinhas, cocheiras, oficinas e demais dependências externas. Reuniam serviços variados e completos de porcelanas pintadas a ouro e prata, jogos de cristal, prataria, candelabros e esculturas de bronze dourado, vasos de porcelana, móveis, tapeçarias, pianos, espelhos, frota de coches, tílburis, caleças, carruagens incluindo os cavalos etc. – milhares de objetos reunidos desde os tempos de D. João VI. As peças foram arrematadas por preços irrisórios por falta de compradores: muitos interessados desistiram de comparecer aos leilões para não serem acusados de “monarquistas” e sofrerem represálias dos “cidadãos republicanos”.
Fonte:
CASTRO, Celso. A proclamação da República. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2000.
CASTRO, Celso. Os militares e a República. Um estudo sobre cultura e ação política.
Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1995. CARVALHO, José Murilo de. Os bestializados, o Rio de Janeiro e a República que não foi. São Paulo: Companhia das Letras, 1987. GOMES, Laurentino. 1889. Como um imperador cansado, um marechal vaidoso e um professor injustiçado contribuíram para o fim da Monarquia e a proclamação da República no Brasil.
São Paulo: Globo, 2013. HOLANDA, Sérgio Buarque de. A fronda prectoriana.
História geral da civilização brasileira: do Império à República. São Paulo: Difel, 1972, tomo V, v.II. SCHWARCZ, Lilia Moritz. As barbas do imperador. D. Pedro II, um monarca nos trópicos. São Paulo: Companhia das Letras, 1998. SHULZ, John.
O Exército na política: origens da intervenção militar, 1859-1894. São Paulo: Edusp, 1994.