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sexta-feira, 28 de junho de 2019

A Mulher de Jó nunca Blasfemou! Vejam Só!










Muito se fala da mulher de Jó e julgam ela como uma louca, uma fraca, uma doida etc, porém quero aqui justificar esta mulher guerreira e vitoriosa.
 Temos que entender ao pé da letra o verdadeiro sentido dos textos bíblicos, caso contrário teremos uma interpretação errada, ja vi pregadores renomados e cantores famosos julgarem a mulher de Jó sem terem uma base certa e concreta desta passagem bíblica.
  Antes de ler abaixo entenda que as traduções bíblicas variam de países para países e de tradutores para tradutores e ambos atendem sempre o seu tempo cultural.
  E em algumas passagens bíblicas temos que abrir mão de algumas traduções regidas pelo tempo cultural e recorrer aos originais fazer uma junção com ambos para então compreendermos a veracidade de tal texto.

 Vamos lá.

Em Jó 2:9 está escrito: “E a mulher dele disse: Então sua mulher lhe disse: Ainda reténs a tua integridade? Blasfema de Deus, e morre.”. Neste versículo, a mulher de Jó estava incentivando Jó a amaldiçoar a Deus; pelo menos, é o que dá para concluir num primeiro momento. 
 No entanto, algo que sempre me intrigou, foi o fato dela (a mulher de Jó) ter permanecido viva e depois ter sido grandemente abençoada no final de tudo, juntamente com o seu marido Jó.
 A pergunta que eu sempre me fazia era: “Como a mulher de Jó podia ter sido preservada viva e depois grandemente abençoada, se ele incentivou Jó a amaldiçoar a Deus?”. Isto me parecia uma grande contradição. Devido esta dúvida, eu fui buscar esta passagem no original, em hebraico, e descobri o seguinte: A mulher de Jó NÃO disse “Amaldiçoa a Deus e morre”, mas ela disse “Abençoa a Deus e morre”. No idioma original (no hebraico) a mulher de Jó disse “Barech Elohim”. Mas, o que significa “Barech Elohim”?
Barech significa “abençoar, bendizer, louvar”, segundo o Dicionário Hebraico – Português e Aramaico-Português, da Editora Sinodal, Co-Editora: Editora Vozes Ltda, 8ª edição, 1997, página 33.
“Elohim” é um dos nomes de Deus na Bíblia. Ao pé da letra, este nome significa deuses, pois, está no plural. O sufixo “im”, em hebraico, forma o plural masculino. No entanto, quando se refere ao único e verdadeiro Deus, este nome passa a ter o sentido de “Deus dos deuses”, pois, o Senhor é Deus sobre todos os outros supostos deuses; Ele é o Senhor dos Senhores.
Então, a mulher de Jó disse que ele deveria bendizer a Deus e morrer; ela não disse para Jó que ele deveria amaldiçoar a Deus, pois, “Barech” não significa “amaldiçoar”, mas “abençoar, bendizer, louvar”. Quando eu vi esta passagem no hebraico, eu consegui entender o motivo pelo qual ela foi preservada viva e porque Deus permitiu que ela fosse grandemente abençoada, juntamente com Jó, depois da grande tribulação em que passaram juntos: ela não havia dito, em nenhum momento, que Jó deveria amaldiçoar a Deus; pelo contrário, ela havia dito que ele (Jó) deveria bendizer a Deus. Devido este motivo, Deus a preservou e a abençoou grandemente.
 No entanto, surgiu outra dúvida: “Se ela disse para Jó bendizer a Deus, então por que Jó a repreendeu e disse que ela havia falado como uma doida, conforme podemos ver em Jó 2:10? Analisando o contexto, eu percebi que Jó repreendeu a esposa dele, pelo fato dela ter feito uma proposta derrotista e desanimadora a ele; é como se ela tivesse dito o seguinte a Jó: “ Desista, não há mais o que fazer; louve a Deus por tudo que já tivemos de bom no passado e aceite que estamos derrotados”. Jó, ao ouvir isso, repreendeu a mulher dele, porque ele sabia que o Redentor dele (Deus) era poderoso o suficiente para reverter toda aquela situação degradante. Este foi o motivo pelo qual Jó disse a mulher dele, que ela falara como uma louca: devido a proposta desanimadora que ela havia feito a ele. Observem, irmãos amados, que depois de estudar a fundo esta passagem, toda aparente contradição, desapareceu. A Bíblia é perfeita; ela NUNCA falha. Às vezes, a tradução em nosso idioma deixa um pouco a desejar, mas a Bíblia em si, nunca falha.
Infelizmente, muitos cristãos, devido a falta de conhecimento bíblico, acham que a Bíblia falha ou entra em contradição. Isto não é verdade; a Palavra de Deus é perfeita, pura e verdadeira. O que acontece é que muitos cristãos (e quando digo muitos, são muitos mesmo) não procuram conhecer as Escrituras a fundo, e devido este motivo, acabam tendo a FALSA impressão de que a Bíblia é falha. A BÍBLIA NÃO FALHA, NÃO ERRA E NEM SE CONTRADIZ; ELA É PERFEITA. O que as pessoas precisam fazer, urgentemente, é conhecê-La mais a fundo, pois, somente deste modo, ela será melhor compreendida. Então, se um dia você tiver a impressão de que a Bíblia se contradiz, estude a passagem em questão mais a fundo e você verá que as Escrituras não se contradizem nunca: somos nós que nem sempre conseguimos entendê-la corretamente. O ERRO ESTÁ SEMPRE EM NÓS; NUNCA NA BÍBLIA. Espero que tenham gostado deste texto e até o próximo estudo, se Deus assim quiser.
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 Por Jhony Ribeiro 

Cordialmente,


                                

sábado, 15 de junho de 2019

Um argumento respeitado! Vejam Só!

Argumento Ontológico de Santo Anselmo


Santo Anselmo apresenta o seu célebre argumento para existência de Deus. Argumento que ficou conhecido como "ratio Anselmi" entre os escolásticos.

O argumento parte da definição de Deus para extrair a sua existência. Anselmo define Deus como algo do qual nada maior pode ser pensado; Boécio já havia dado uma definição semelhante. Assim, a partir do momento em que compreendemos tal definição, Deus existe em nosso pensamento. Mas se ele existisse unicamente em nosso pensamento, poderíamos conceber uma coisa maior, uma vez que um ser que existe na realidade é maior que um ser que existe só em pensamento.

Porém, não podemos conceber algo maior que aquilo que é maior do que qualquer outra coisa, pois isso seria contraditório. Logo, Deus não pode existir só em nossa mente, tendo que existir também na realidade. Ou seja, ao dizer que Deus existe só em pensamento, Deus deixaria de ser perfeito, portanto, deixaria de ser Deus; assim cairíamos em contradição ao afirmar que Deus não existe. Conforme Anselmo disse:

"Cremos, pois, com firmeza, que tu és um ser do qual não é possível pensar nada maior. Ou será que um ser assim não existe porque "o insipiente disse, em seu coração: Deus não existe"? Porém, o insipiente, quando eu digo: "o ser do qual não se pode pensar nada maior", ouve o que digo e compreende. Ora, aquilo que ele compreende se encontra em sua inteligência, ainda que possa não compreender que existe realmente. Mas "o ser do qual não é possível pensar nada maior", não pode existir somente na inteligência. Se, pois, existisse apenas na inteligência, poder-se-ia pensar que há outro ser existente também na realidade; e que seria maior". (Proslogion; cap. II)

Assim, vemos que no momento em que concebemos algo como a maior coisa da qual se pode imaginar; este ser deverá existir, pois se assim não fosse estaríamos indo contraditoriamente com o que acabamos de aceitar. Nesse argumento, Anselmo visava demonstrar que a existência de Deus é uma verdade não só revelada, como também uma verdade evidente à razão. Esta, por sua vez, seria tão evidente que seria impossível sequer pensar que Deus não existe sem cair em uma contradição. O modo argumentativo de Anselmo denota claramente a sua posição perante o uso da razão no debate teológico.

2. Objetores a Santo Anselmo

A objeção de Gaunilo versa principalmente na idéia de que a existência de algo não pode ser derivada a partir de seu conceito, mas que a partir de constatada a existência de alguma coisa construa-se um conceito para definir o que ela é o que ela não é, pois se assim fosse não existiria a possibilidade de julgarmos algo falsamente visto que a realidade é extraída do pensamento. Então, não importa qual seja o conceito da natureza de Deus, a partir dele não podemos derivar que ele existe. Segundo Gaunilo se aceitarmos o argumento ontológico como válido estaríamos determinando a existência real de algo como um conseqüente da existência em pensamento; então não teríamos pensamentos sobre aspectos ilusórios e coisas inexistentes.

São Tomás de Aquino não aceitou o argumento de Sto. Anselmo, mas postulou cinco vias pelas quais podemos chegar ao conhecimento da existência de Deus racionalmente.

Descartes, na modernidade, retomou o argumento deixando claro a condição necessária de conceber a existência como parte da definição ou da natureza de um ser absolutamente perfeito. A posição cartesiana, por sua vez, acabou por possibilitar as críticas modernas ao argumento ontológico, como, por exemplo, as de Hume e mais enfaticamente as de Kant.

A posição de Kant é basicamente que a existência não é uma propriedade idêntica às outras, isto é, possui uma característica particular, não podendo ser atribuída ou retirada arbitrariamente. Essa crítica tem sido, de uma maneira geral, sustentada pela lógica que surgiu após o pensamento de Kant.


3. Argumento da Essência

É um argumento interessantíssimo, fundamentado na tese segundo o qual o conceito de um ser implica em sua existência. Foi formulado pela primeira vez por Anselmo de Aosta (1033-1109), considerado um santo pela Igreja Católica. Anselmo se indignou com o Salmos 10, 4 e Salmos 14. Recusava a possibilidade de haver pessoas néscias e os ignorantes que desconheciam a existência de Deus. De uma maneira bem geral, o argumento é o seguinte:

Todos concordam que o conceito de Deus é um conceito de um ser perfeitíssimo, e possuindo todos os atributos da perfeição, é o maior de todos os seres e não se pode conceber outro ser maior do que ele; se este outro ser concebido estivesse somente no intelecto e não na realidade, seria razoável conceber outro ser que fosse mais perfeito do que o primeiro, e mais ainda, de existir na realidade. Portanto, este segundo ser seria maior do que o primeiro, o qual disséramos que não poderíamos conceber um maior do que ele, o que é absurdo. Não há dúvida de que aquilo de que não se pode pensar nada de maior exista tanto no intelecto quanto na realidade.

O que Anselmo de Aosta pretende provar é que mesmo aqueles que nunca ouviram falar em Deus, acreditam em Deus ou podem ter o discernimento intelectual suficiente para concluir que ele exista.

4. Os Pontos Fortes no Argumento Ontológico de Anselmo

Este argumento inspirou diversos filósofos teístas, por isso, encontramos outras versões do mesmo raciocínio.

O raciocínio de Giovanni Fidanza Boaventura (1221-1274), teólogo da ordem dos Franciscanos é semelhante ao raciocínio de Anselmo de Aosta: Si Deus est Deus, Deus est. (Se Deus é Deus, Deus existe).

Já filósofo Wilherm Gottlieb Von Leibniz (1646-1716) monta o argumento da essência da seguinte forma: Um Ser absolutamente perfeito, se é possível, é um Ser existente, porque, do contrário, não seria um Ser absolutamente perfeito.
O filósofo deísta René Descartes (1596-1650) parte da mesma tese. O seu discurso e bem mais elaborado, e procede assim:

Deus é uma idéia de um Ser imutável, perfeito, infinito, etc. Nada provém do nada; tem de haver uma causa que põe em nós a idéia de Deus. Não sou eu próprio e nem outro objeto, ser humano ou fato que coloca esta idéia. Logo, há um Ser que causa essa idéia e que possui as propriedades mencionadas. Ora, a existência objetiva é mais perfeita que a existência subjetiva. Portanto, a causa da idéia de Deus, é mais perfeita que a idéia que tenho de Deus.

Em resumo, o que estes raciocínios pretendem provar é que não pode existir um Ser que seja tão perfeito, que possua todos os atributos da perfeição, inclusive o da existência, e este só exista no pensamento; tal Ser tem de existir também na realidade.

5. Os Pontos Fracos no Argumento Ontológico de Anselmo

O argumento da essência é um raciocínio de "círculo vicioso", uma tautologia, e por causa disso, apresenta as seguintes deficiências:

Há grande diferença entre uma coisa, um Ser, e o seu conceito (das propriedades de um conceito não se deduz a existência do seu Ser, assim como das propriedades de um animal mitológico, o unicórnio, por exemplo, não se deduz que tal animal exista).

A enunciação de uma propriedade não confirma a existência, para confirmá-la é necessário a demonstração.

O argumento ontológico da essência é impreciso nas definições dos atributos de Deus, afinal, o que vem a ser "existência"?
O argumento sofre da falácia de petição de princípio, ou seja, primeiro supõe a existência da divindade para depois tirar disto a sua "existência", dá como prova precisamente o que seria necessário provar: é um círculo vicioso.

6. Referências Bibliográficas

FAURE, Sebastião. Provas da Inexistência de Deus. Editora Germinal Ltda.: Rio de Janeiro, R. J., 1959. Tradução de Alfredo Guerra (Preuves de l'Inexistence de Dieu),

CORBISIER, Roland Cavalcanti de Albuquerque. Enciclopédia Filosófica. 1a edição. Editora Vozes Ltda.: Petrópolis, R.J., 1979 in verbete "Ateísmo" (pp.: 13-17).

STACCONE, Giuseppe. Filosofia da Religião. 2a edição. Editora Vozes Ltda.: Petrópolis, R. J., 1991.

SALOMON, Wesley C. Lógica. 3a edição. Zahar Editores S. A.: Rio de Janeiro, R. J., 1973.


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 Por Jhony Ribeiro 

Cordialmente,


                                

Uma vida e obras extreordinarias. Vejam Só!

A Vida e a Obra de Michael Foucault

   


I - A VIDA DE MICHEL FOUCAULT



Por ocasião do seu nascimento em 15 de outubro de 1926, Michel Foucault foi batizado "Paul Michel Foucault". E mais tarde, tirou o Paul, porque não queria ter o mesmo nome de seu pai, ao qual odiara na adolescência. Seu pai, assim como o avô paterno e materno, era médico, e lecionava anatomia na escola de medicina da França. Embora seus pais fossem apenas nominalmente religiosos, o segundo filho, bem como o primogênito do casal, atuaram como católicos e membros do coral da igreja católica romana local. Quando a segunda guerra mundial lançou suas sombras sobre a escola pública local, a mãe de Foucault recorreu ao sistema católico para conclusão dos estudos secundários de Michel. Depois de três anos numa escola católica, Foucault saiu de lá com ódio da religião e dos padres.
A paixão de Michel pela história e literatura fê-lo romper o vínculo familiar com a medicina, levando-o a dedicar-se ao estudo da filosofia como preparação para os exames de admissão. Essa busca levou-o a Paris em 1945. Ali, encontrou os escritos de pensadores que tiveram enorme influência no desenvolvimento de seu pensamento-Hegel, Marx, Nietzsche, e Freud.
Em sua trajetória educacional, Foucault estudou posteriormente na Sorbonne, onde foi licenciado em filosofia em 1948 e em psicologia em 1950. Finalmente, em 1952, recebeu o Diplome de Psyco-Pathologie da Université de Paris.
Depois de um período conferencista na ENS (1951-1955), Foucault ausentou-se da França por cinco anos. Durante esse exílio a que se obrigava, viveu na Suécia, Polônia e Alemanha antes de regressar a seu país em 1960 na função de diretor do Institut de Philosophie da Faculte de Lettres de clermont-Ferrand. A essa altura de sua carreira, seu envolvimento político era pelo menos tão significativo quanto sua destreza acadêmica. Foucault era um jovem adido cultural promissor que mantinha ligações com certos diplomatas do novo governo de Charles de Gaulle.
Em meados da década de 60, o jovem Foucault granjeara a reputação de estruturalista brilhante e de nova estrela da constelação intelectual francesa. Todavia, quando a revolta estudantil de esquerda abalou os alicerces do gaullismo em maio de 1968, Foucault aliou-se a um grupo maoísta radical. Depois de uma estada na Tunísia entre 1966 e 1968, Foucault voltou a Paris em 1969 para lançar sua bem-sucedida candidatura a uma cadeira no Collège de France. De seu posto no pináculo do sistema acadêmico francês, ele não somente dedicou-se a escrever como também se envolveu em atividades políticas e fez viagens ao Irã, Polônia e aos Estados Unidos, especialmente a Califórnia.
Na Califórnia, Foucault deu plena vazão aos seus impulsos homossexuais. Na primavera de 1975, mergulhou apaixonadamente na comunidade gay de São Francisco, atraído especialmente pelo erotismo sadomasoquista consentido que florescia em diversas saunas de Bay City naquela época. Sempre ansioso por transformar a textura de sua vida cotidiana, Foucault procurava o prazer completo e total, a “experiência-limite” que ele associava morte. Com essas “experiências-limite” vivenciados na Califórnia, ele tencionava confirmar radicalmente sua tese de que o corpo (assim como a alma) era, de certo modo, construído socialmente, por isso, ao menos em princípio, podia ser mudado.
No outono de 1973, Foucault embarcou para São Francisco naquela que seria sua última viagem. Aparentemente, ele estava preocupado com a Aids e com a possibilidade de sua morte em decorrência dessa doença fatal. Além da loucura, das drogas, da sexualidade da Aids, a morte seria a “experiência-limite” final, a qual, já perto do fim da vida, Foucault definiu sucintamente como uma forma de ser "que pode e deve ser pensada", uma forma de ser "historicamente constituída" por meio de "jogos da verdade".
De volta a Paris, Foucault desmaiou em seu apartamento em 02 de junho de 1984. Muitos acreditavam que ele estava em processo de recuperação, por isso houve um choque quando veio a notícia de sua morte no dia 25 daquele mês. O hospital em que morreu Foucault era uma antiga instituição mental que serviria de base para um de seus primeiros livros, Madness and civilization [loucura e civilização] (1961).
Durante essa sua última internação, Foucault recebeu várias vezes a visita de seu amante, o escritório Herve Guibert. Guibert mantinha um diário das conversas que travara com Foucault e, posteriormente, usou-as como base para seu romance To the friend who did not save my life (1990) [ao amigo que não salvou minha vida] e no conto "The secrets of a man" [os segredos de um homem]. James Miller, biógrafo de Foucault, tece algumas especulações a esse respeito. Em sua opinião, o filósofo sabia o que queria quando, no leito de morte, fazia confidências ao romancista escritor: com isso, o homem que havia devotado sua vida à destruição da idéia do eu individual, rendia-se à incapacidade de escapar do sentimento que devia dizer a verdade sobre quem ele era e no que se havia transformado.
No dia 25 de junho de 1984 morria o intelectual mais famoso e singular do mundo. Em certo sentido, a morte de Michel Foucault aos 57 anos assinalava a maioridade do pós-modernismo. Subitamente, a colagem de experiências limite justapostas que havia caracterizado a vida desse arquiteto do pós-modernismo ganhavam um novo contorno. Via-se agora na montagem a face sinistra de uma pessoa cuja vida, em pleno viço, fora arrebatada no auge de sua influência pelo flagelo da nascente era pós-moderno-a Aids.
No âmago da filosofia pós-moderna persiste continuamente o ataque às premissas e as pressuposições do modernismo. Os pós-modernos rejeitam como pretensioso o enfoque moderno no eu. Zombam da confiança moderna no conhecimento humano. Execram a duplicidade em mente a suposição moderna de que todas as pessoas, por toda parte, são, em última análise, semelhantes a nós.

Michel Foucault (1926-1984) é a encarnação do erudito pós-moderno. Quando morreu, os críticos e os estudiosos sociais estavam a braços com as perguntas que ele suscitara acerca dos limites do conhecimento e de sua vinculação com o poder. Discutiam sua investida contra os fundamentos da moralidade. Levavam a sério à reformulação radical que ele aplicava a tarefa da investigação histórica, bem como sua nova compreensão sobre a natureza da identidade pessoal.
Foucault é geralmente considerado um historiador da cultura; contudo, ele preferia a designação de "arqueólogo do conhecimento". Já quase no fim da vida, referia-se a si mesmo como filósofo. Todavia, acima de tudo, Foucault foi um requintado nietzschiano. Foi chamado "o mais genuíno sucessor de Nietzsche no século XX" e o maior dos discípulos contemporâneos de Nietzsche. Sob muitos aspectos, toda sua vida foi uma busca nietzschiana.



II - ALGUNS PENSAMENTOS DE MICHEL FOUCAULT



A REJEIÇÃO DO COSMOS E DO “EU”


Pela maneira como viveu e pela forma como escreveu, Foucault propugnava uma rejeição total a cosmovisão moderna. Ele era um crítico incansável do iluminismo e da perspectiva moderna que o iluminismo engendrava.
A cosmovisão moderna baseia-se no conceito do eu, o sujeito conhecedor autônomo que viu o mundo como um objeto acessível ao conhecimento humano. O pensador moderno supõe que as percepções do eu inquiridor, produzem representações precisas de um mundo externo e, portanto, constitui uma base sólida para o conhecimento do mundo. A crítica de Foucault ao modernismo começa pela rejeição desse ponto de partida cartesiano-kantiano.
A razão e o discurso racional são problemáticos, dizer por que nos obrigam a espremer as várias faces da realidade num todo homogêneo artificial capaz de acomodar nossos conceitos. Desse modo, o discurso privilegia a mesmice e os universais em detrimento da diferença da alteridade.
Foucault procura desmascarar essa tendência revertendo-a. Ele dá preferência específica ao especial comunique, elevando-os acima do geral e do universal. Seus escritos favorecem alteridade e não mesmice. A estratégia que emprega para isso consiste em negar a suposta universalidade e a eternidade das categorias citando-as novamente no fluxo histórico.
Os pós-modernos como Foucault não se empenham mais na procura por um independente, uma realidade regida pela lei da regularidade. Eles tendem a se ocupar mais de coisas como a interpretação de textos. Nesse esforço, não há a suposição de que todo texto consiste numa única estrutura unificadora, pelo contrário, os textos são infinitamente complexos. Resumindo, o paradigma pós-moderno, conforme exemplificado em Foucault, celebra a complexidade.


A REJEIÇÃO DA ANTROPOLOGIA


É de fundamental importância para rejeição do eu em Foucault é sua investida contra antropologia.
No âmago do ataque de Foucault a antropologia encontramos sua declaração de que a humanidade é um fenômeno relativamente recente. No enfoque atual na pessoa humana como objeto do conhecimento resulta de uma mudança histórica cujo início data do século XVII. Para entender isso, ele propõe uma diferenciação entre linguagem e discurso. A linguagem reconhece a si mesma como mundo; o “discurso” pelo contrário, vê a si mesmo como representação do mundo. A função única do discurso consiste em ser uma representação transparente de coisas e idéias situadas fora de si.
Segundo Foucault, a linguagem desapareceu e o discurso emergiu em princípios de 1600. Porém, no final do século XVIII, a linguagem reapareceu, desencadeando a dissolução da humanidade.
Foucault chama antropologia ou história contínua, a busca do eu humano.


O CONHECIMENTO COMO PODER


O conhecimento está inescapavelmente ligado ao poder em decorrência de sua vinculação ao discurso. Isto é, o conhecimento relaciona-se ao que Foucault chama "formação discursiva".As práticas das instituições produzem essas declarações de conhecimento, as quais o sistema de poder considera proveitoso. O discurso traz à luz os objetos identificando-os, especificando-se e definindo-os. Como exemplo, Foucault cita psiquiatria deste se segundo a qual os esquizofrênicos são uma realidade e, portanto, devem ser objeto da terapia.
Foucault chega à conclusão, em vista de todas essas coisas, de que a verdade é uma fabricação ou ficção, um sistema de procedimentos ordenados para a produção, regulamentação, distribuição, circulação e operações de afirmações, ele revela também que esse sistema de verdade apresenta relacionamento recíproco com sistemas de poder que o produzem e o mantém. A verdade é tão-somente o produto das práticas que a tornam possíveis. O poder do conhecimento revela-se num discurso por meio do qual ele, arbitrariamente, e tendo em vista seus próprios propósitos, envolve-se na invenção da verdade. Desse modo, diz Foucault, o conhecimento produz nossa realidade.
O ato de conhecer, diz Foucault, é sempre um ato de violência.


GENEALOGIA


Em seu ataque a ordem, Foucault dispara uma arma poderosa tomada do arsenal nietzschiano-a genealogia. Seu objetivo é descobrir um novo discurso que possibilite o indivíduo posicionar-se fora e contra as reivindicações da razão a verdade hegemônica. Seu método consiste em rastrear a genealogia de um corpo de conhecimento, isto é, observando como os conceitos de uma disciplina ou de uma ciência humana vieram a ser construídos. A idéia é que, trabalhando dessa forma, podemos obter um entendimento melhor sobre como presente veio a tornar-se o que é. A genealogia, porém, também trabalha no sentido de demolir e de desorientar o presente.
Genealogia é, portanto, a união do saber erudito e das memórias locais que nos permitem fixar saber histórico das lutas.Façamos o prático desse conhecimento nos dias de hoje... O que ele faz de fato é acalentar as reivindicações de atenção aos conhecimentos locais, descontínuos, não qualificados e ilegítimos em oposição às reivindicações de um corpo teórico unitário que o seu traria em nome de algum conhecimento verdadeiro e de alguma idéia arbitrária acerca do que constitui uma ciência de seus objetos.
A tarefa dos genealogistas foucaultianos, portanto, não consiste em produzir mais verdades, e sim desmascarar todas as formas de “discurso verdadeiro” pela determinação das condições que permitem sua existência, trazendo à tona seus efeitos políticos.
O objetivo de Foucault é desmantelar sistematicamente os dispositivos que os historiadores usam tradicionalmente na edificação de uma época visão histórica abrangente.
A genealogia de Foucault, portanto, não é uma teoria da história no sentido tradicional. Na verdade, podemos chamá-la "antiteoria". O genealogista apresenta um método de análise das teorias consolidadas tendo como referência os seus efeitos. As genealogias de Foucault descrevem como algumas de nossas formas de pensamento nos dominam "pela produção da verdade". Elas não explicam tanto a realidade quanto criticam as tentativas de apreendê-la, nos limites de uma teoria unificadora reducionista.



HISTÓRIA COMO FICÇÃO


Foucault reconhece que suas histórias são também ficções, mas argumenta que tem papel importante na produção do mito.
Ao afirmar que o conhecimento resulta de uma perspectiva específica, Foucault não pretende produzir a verdade objetiva; seu intento é causar certo impacto em seus leitores. Ele expõe o que chama "história efetiva", que introduz a descontinuidade em nosso quadro de referência e nos impede de afirmar a estabilidade da vida.
Foucault trabalha com a premissa de que as análises históricas deveriam ser parte real da luta política, e não meras tentativas de relatar os fundamentos teóricos dos conflitos. Para isso, ele atribui o passado um caráter de "ficção", a fim de abrir nossos olhos para a realidade do presente. Seus escritos podem ser lidos como história. Ele mesmo os rotula assim, contudo, há neles uma duplicidade de códigos: ele incorpora deliberadamente, o caráter fictício de toda interpretação histórica à sua obra. Essa duplicidade de códigos serve para conferir a sua obra o poder retórico que lhe é próprio.



III - ALGUMAS OBRAS DE MICHEL FOUCAULT



A REVOLTA DO ACASO


Michel Foucault, no seu “história da loucura” (1963), vira na loucura o sinal, o anúncio de uma forma superior de vida e, em outro livro, as palavras e as coisas (1967), anunciavam o iminente fim do homem, considerada apenas uma figura composta entre os interesses indícios de uma linguagem fragmentada e destinada, portanto a desaparecer na imperiosa unidade da linguagem.Foucault chegava a essa conclusão partida da tese de que a linguagem não é uma estrutura global, não apenas expressiva, mas criativa: tese que tomaram emprestado dos últimos escritos de Heidegger. Mas a mesma conclusão chegavam outros escritores partindo da psiquiatria o da psicanálise. E na obra de Foucault, vigiar e punir (1976) a própria delinqüência era considerado uma tentativa de libertação da ordem repressiva da sociedade humana. A oposição a toda forma ou todo tipo de poder e ao mesmo tempo a crença no homem como produto necessário do próprio poder são os dois pressupostos dessa tendência filosófica, cujos adeptos são obrigados a usar uma linguagem que desejaria ser nova, para escapar a história, mas só consegue ser obscura, contorcida e balbuciante.



AS RELAÇÕES ENTRE ARTE FIGURATIVA E REALIDADE


ISTO NÃO É UM CACHIMBO


A primeira versão, a de 1926, um cachimbo desenhado com cuidado e, em cima esta menção: isto não é um cachimbo. Na outra versão, um mesmo cachimbo, mesmo enunciado, mesma caligrafia. Mas em vez de se encontrarem, estão opostas num espaço diferente, sem limite nem especificação, o texto e a figura estão colocados no interior de uma moldura. Ela própria está pousada sobre um cavalete, por sua vez, sobre as tábuas bem visíveis do assoalho. Em cima, um cachimbo exatamente igual ao que se encontra desenhado no quadro, mas muito maior.
A primeira versão só desconcerta pela sua simplicidade. A segunda multiplica visivelmente as incertezas voluntárias. A moldura, de pé, apoiada com outro cavalete e repousando sobre vigas de madeira, indica que se trata do quadro de um pintor: obra acabada, exposta, e trazendo, para um evento ao espectador, o enunciado que ao comentar o explica. E, no entanto, esta inscrita ingênua que não é exatamente o título da obra. Nenhum de seus elementos peitorais, ausência de qualquer outro indício que marcaria a presença do pintor, a rusticidade do conjunto, as largas tábuas do assoalho, tudo isso faz pensar no quadro-negro de uma sala de aula: talvez, uma esfregadela de pano logo apagará o desenho e o texto. Talvez, ainda, apagará um ou outro apenas para corrigir o erro (desenhar alguma coisa que não será realmente um cachimbo, ou escrever uma frase afirmando que se trata mesmo de um cachimbo). Mal feito provisório (Um mal escrito, como quem diria um mal entendido) que um gesto vai dissipar numa poeira branca? Mas isso é ainda apenas o menor das incertezas. Três outras: a dois cachimbos. Não seria necessário dizer, em vez disso: dois desenhos de um mesmo cachimbo? Ou ainda um cachimbo e seu desenho, ou ainda dois desenhos representando cada um deles um cachimbo, ou ainda dois desenhos dos quais um representa um cachimbo mais o outro não, ou ainda dois desenhos que, nenhum nem noutro, representam cachimbos, ou ainda um desenho representando um cachimbo, mas um outro desenho que, ele, representa um cachimbo, de tal forma que sou obrigado a perguntar: a que se refere à frase escrita no quadro? Ao desenho, debaixo do qual ela se encontra imediatamente colocada? Vejam esses traços agrupados sobre o quadro-negro; por mais que possam se assemelhar, sem a menor discrepância, a menor infidelidade, aquilo que está mostrado lá em cima, não se engane com isso: É em cima que se encontra o cachimbo, não neste grafismo elementar. Mas talvez a frase se refira precisamente a esse cachimbo desmedido. Idéia de um cachimbo. Será necessário então ler: não busquem no alto o cachimbo verdadeiro; mas o desenho quis falar sobre o quadro, bem firme e rigorosamente traçado, é este desenho que deve ser tomado por uma verdade manifesta.
Mas isso ainda me espanta: o cachimbo representado no quadro-madeira e merecida tela pintada, pouco importa, esse cachimbo de baixo está solidamente contido no espaço com visíveis parâmetros: largura (o texto escrito, os limites superiores e inferiores da moldura), altura (os lados da moldura, os montantes do cavalete), profundidade (as ranhuras do assoalho). Estável prisão. Em troca, o cachimbo do autor não tem coordenadas. A enormidade de suas proporções tornam certa sua localização...: Esse cachimbo desmedido encontra-se diante do quadro desenhado, empurrando para longe, atrás dele? Ou então se encontra suspenso exatamente acima do cavalete, como uma emanação, um vapor que teria acabado de se desprender do quadro, e fumaça de um cachimbo tomando ela própria à forma e o arredondado de um cachimbo, assim se opondo, parecendo com o cachimbo? Ou então não se poderia supor, no limite, que ele se encontra atrás do quadro do cavalete, mais gigantesco então do que parece: seria profundidade arrancada, a dimensão interior furando até lá (O painel) e, lentamente, lá longe, no espaço de agora em diante sem limite, dilata dando-se até o infinito. Para dessa incerteza, entretanto, sei que estou seguro. Ou antes, o que me parece muito duvidoso, é oposição simples entre a flutuação do caixão e a estabilidade do de baixo. Olhando mais de perto, vê-se facilmente que os pés do cavalete portador da moldura onde até ela se encontra capturada, e onde o desenho se a loja, esses pés que repousam sobre o assoalho cujo aspecto grosseiro torna visível e seguro, são, de fato, chão: só possuem superfície de contato pelas três pontas finas que retiram do conjunto, que é, no entanto, um pouco maciço, toda a estabilidade. Queda iminente? Desabamento do cavalete, da moldura, da tela do painel, do desenho, do texto? Madeiras quebradas, figuras em fragmentos, letras separadas umas das outras a ponto de as palavras, talvez, não se poderem mais se reconstituir; toda essa desordem no chão, enquanto lá em cima o grande cachimbo sem medida nem parâmetros persisti em sua imobilidade inacessível de balão?


A VIOLENCIA LEGITIMA DO ESTADO


Para Foucault, a ordem na sociedade é estabelecida pelas normas aceitas racionalmente, legitimado os “pelos saber que”, a partir dos séculos XVII e XVIII, cria a sociedade disciplinar, caracterizada pela organização do espaço, controle do tempo e vigilância do olhar, e que visam o controle dos corpos: a disciplina fabrica corpos submissos destacados, corpos dóceis. Não é por acaso que, na referida época, surge nos locais de vigilância como a fábrica, à caserna, a escola, um hospital, um hospício, a prisão. Embora algumas dessas instituições tivessem similares em tempos anteriores, nunca do controle e vigilância acontecido de forma tão eficaz.
O estado pode impor leis, fazendo-as cumprir e punir os infratores, já que dispõe de repressivos constituídos por tribunais, a polícia, e os homens, exército, se tornando, por isso de Gaulle, o único aqui que permite o uso da violência legítima.
A história nos tem mostrado um abuso desses produtos: absolutismo dos reis da idade moderna e, no século XX, autoritarismo na América latina e totalitarismo na Itália (Mussolini), Alemanha (rito) e URSS (Stálin).
No entanto, ainda quando o Estado se configura democrático, ocorrem formas de violência que, mesmo não sendo claramente percebidas, nem por isso são menos eficazes. Por meio da violência simbólica, o Estado interfere em inúmeros setores da vida pública de modo a fazer reproduzir comportamentos indesejáveis para a manutenção do poder. A manifestação do estado é uma rede de micro poderes que se estende por todo o corpo social.


ESCOLA PODER E DISCIPLINA


Michel Foucault, em “Vigiar e Punir” estuda os mecanismos da Disciplina em sua capilaridade, ou seja, o poder exercido sobre os corpos. Neste sentido, pode ser esclarecedor para a escola compreender as técnicas e mecanismos disciplinares que organizam o sistema poder-submissão em sua versão micro, do dia a dia, do corpo a corpo.“... houve, durante a época clássica, uma descoberta do corpo como objeto e alvo de poder. Encontraríamos facilmente sinais dessa grande atenção dedicada então ao corpo - ao corpo que se manipula, se modela, se treina, que obedece, responde, se torna hábil ou cujas forças se multiplicam”. O poder em todas as sociedades, segundo Foucault, está fundamentalmente ligado ao corpo uma vez que é sobre ele que se impõem as obrigações, as limitações e as proibições. É, pois, na “redução materialista da alma e uma teoria geral do adestramento” que se instala e reina a noção de docilidade. É dócil o corpo que pode ser submetido, utilizado, transformado, aperfeiçoado em função do poder. Os estudos de Michel Foucault mostram a origem destes mecanismos capilares de poder nos séculos XVII e XVIII, junto com a aparição da arte do corpo humano, do estudo da anatomia, houve a descoberta do corpo como objeto transformável em eficiência e alvo do controle. É o que ele chamou de momento das disciplinas. Desde então se tem apenas variado as técnicas de submissão e controle. O que é descrito e detalhado nas prisões, hospícios, quartéis, escolas, toma forma social mais ampla de uma sofisticada e sutil tecnologia de submissão (movimentos, gestos, rapidez...).
Este poder que se exerce sobre o corpo é ininterrupto (contínuo) chegando mesmo a instalar-se como coerção interna e suas tecnologias alcançam este feito através do que Foucault chamou DISCIPLINA, o que conduz os corpos à relação docilidade-utilidade. Foucault mostra como a idéia de obediência, evolui até as tecnologias imaginárias das sociedades modernas. Na domesticidade escrava a obediência se inscrevia (inscreve-se) no controle sobre a operação do corpo (suas ações em função dos resultados produtivos). Na vassalidade, a obtenção do controle se faz pela produção, é o resultado do trabalho dos corpos onde se instala o controle. A obediência monástica (religiosa) realiza-se através das renuncias. Mas é na modernidade que se constrói uma maquinaria de poder através do controle dos corpos (anatomia política1), isto é, o corpo para fazer não o que se quer, mas para operar como se quer. É a tecnologia da disciplina fabricando os corpos submissos.
Esta anatomia política desenha-se aos poucos até alcançar um método geral que esta “em funcionamento nos colégios, muito cedo; mais tarde nas escolas primárias; investiram lentamente o espaço hospitalar; e em algumas dezenas de anos, reestruturaram a organização militar”.A disciplina que Foucault mostrará é, pois, uma política do detalhe e é desta forma que se desenha uma microfísica do poder que vem evoluindo em técnicas cada vez mais sutis, sofisticadas, com aparente inocência, tomando o corpo social em sua quase totalidade. E assim, pois, no contexto disciplinar dos regulamentos minuciosos, do olhar das inspeções e o controle sobre o corpo que toma forma nas escolas, quartéis etc. esta microfísica do poder, a que nos dedicaremos a detalhar.Disciplina e a arte das distribuições.É preciso agora esmiuçar esta tecnologia disciplinar em seus diferentes componentes para estudar-lhes sua inserção na escola. Em primeiro lugar, o espaço, o quadriculamento celular dos espaços, onde perdura a idéia do enclausuramento na organização física. “Cada indivíduo em seu lugar; e em cada lugar um indivíduo”. Evitar as distribuições por grupos e decompor todas as aparições coletivas. A circulação difusa permite saber onde e como encontrar os indivíduos. Preservar as comunicações úteis e interromper todas as demais. Este é um espaço analítico onde o quadriculamento permite a vigilância contínua.
É a disposição dos corpos que permite o OLHAR, isto é, a vigilância. Assim é que nas escolas, onde os corredores entre carteiras permitem o movimento contínuo, ainda que ele não se dê, as seriações das carteiras por idade, conhecimento ou comportamento, colocando o indivíduo em espaços definidos por sua localização na série. Esta arquitetura funcional e hierárquica é mantida por esta disciplina organizada em “celas”, “fileiras” ou “lugares”.
A introjeção nos corpos desta disciplina dos espaços ganha prolongamento social expresso nas ações dos corpos em sua vida cotidiana e produzem as “arrumações” de todos os espaços. (o poder pela visibilidade) a subordinação à vigilância contínua é reproduzida pela coerção interna do indivíduo, isto é, o próprio indivíduo coloca-se no espaço possível de vigilância, que é o lugar da submissão e reproduz esta distribuição sem que mesmo lhe vigiem.Em segundo lugar a disciplina organiza o tempo.O controle e regulamentação sobre os ciclos da repetição. O ritmo da atividade é mais importante que os horários, pois que estes são impostos de fora sobre os corpos.
“À última pancada do relógio, um aluno baterá o sino, e ao primeiro toque os alunos se porão de joelhos, com os braços cruzados e os olhos baixos...”
A regularidade, o ritmo, “é proibido perder tempo que é contado por Deus e pago pelos homens”. Poder-se-á dizer que os dias atuais apenas escondem o cinismo explícito, mantendo os rituais escolares bastante semelhantes: as campainhas, os ritmos de repetição da atividade, a cronometragem em função da submissão dos corpos. Igualmente a distribuição dos espaços, o controle sobre o tempo dos corpos permanece introjetado na realização social da vida cotidiana e em todos os setores inclusive na vida “pessoal e íntima” dos corpos. O tempo que não é controlado pelo indivíduo, mas pelo poder, será sempre algo inexorável que lhe determina a ação. O tempo, assim, não é próprio, individual, mas coletivizado pelo sistema de controle e a ele subordinam-se os corpos dóceis.
Em terceiro lugar a Vigilância, que aparece como algo que deve ser continua, ininterrupta, mas que é ou precisa ser vista pelos indivíduos que a ela estão expostos como contínua, perpétua, permanente; que não tenha limites, penetre nos lugares mais recônditos, esteja presente em toda a extensão do espaço... Olhar invisível que deve impregnar quem é vigiado de tal modo que este adquira de si mesmo a visão de quem o olha. O poder sobre os corpos, desta forma, atinge o ápice da submissão onde o corpo não distingue entre si mesmo e o olho do poder. Os tabus, preconceitos, verdades morais, religiões... Produzem assim as renuncias ao prazer e a docilidade para submissão. O palco sobre o qual caminha o professor, as fileiras que lhe dão acesso a todos, as portas com janelas em vidros etc. produzem a constância necessária para submissão/controle que se interioriza e se estende na vida Social. Em quarto, e finalmente, a disciplina produz saber. É o registro contínuo do conhecimento. Assim é a capatazia social. Este conhecimento gera poder. Em nossas sociedades a busca do anonimato cresce em função da libertação dos corpos do domínio do saber. O caderno de anotação, a ficha secreta, a prova, a correção... O mistério do que o professor sabe e como este saber produz poder...
Estas técnicas disciplinares (Espaço/Tempo/Vigilância e Saber) são a garantia para o adestramento, para a subordinação acrescida de outras tantas técnicas sutis de aprisionamento dos corpos. A escola assim organiza-se de forma a reproduzir a submissão e produzir os corpos dóceis que culmina na subordinação social, na dominação, na alienação e aceitação.
Mas nenhum poder é absoluto ou permanente, ele é transitório e circular o que permite a Aparição das fissuras onde é possível a substituição da docilidade pela meta continua e infindável pela libertação dos corpos.É necessário, assim, repensar métodos e técnicas da organização escolar em função da construção solidária da liberdade e cooperação, ação do corpo pelas trocas e respeito mútuo.

GENEALOGIA, PODER E SEXUALIDADE


Como a genealogia, que remete à busca das origens, se converteria, dentro do discurso nietzscheano-foucaultiano em sua oposição e, até que ponto ela consistiria nessa “oposição”? “Por que Nietzsche genealogista recusa, pelo menos em certas ocasiões, a pesquisa da origem? Porque, primeiramente, a pesquisa, nesse sentido, se esforça para recolher nela a essência exata da coisa, sua mais pura possibilidade, sua identidade cuidadosamente recolhida em si mesma, sua forma imóvel e anterior a tudo o que é externo, acidental, sucessivo” dirá Foucault.“Ora” continua ele, “se o genealogista tem o cuidado de escutar a história em vez de acreditar na metafísica, o que é que ele aprende? Que atrás das coisas há algo inteiramente diferente: não seu segredo essencial e sem data, mas o segredo que elas são sem essência, ou que sua essência foi construída peça por peça a partir de figuras que lhe eram estranhas”. A pesquisa da origem é o “exagero metafísico que reaparece na concepção de que no começo de todas as coisas se encontra o que há de mais precioso e de mais essencial”, dirá Nietzsche. Procurava-se mostrar a primazia do homem mostrando seu nascimento divino, mas, “isso agora se tornou um caminho proibido; pois no seu limiar está o macaco”. Genealogias lineares eram desenvolvidas, ordenadas, “como se as palavras tivessem guardado seu sentido, os desejos sua direção, as idéias sua lógica; como se esse mundo das coisas ditas e queridas não tivessem conhecido invasões, lutas, rapinas, disfarces, astúcias”, continuará Foucault. Negando uma suposta “origem divina” o genealogista vai necessitar da história para “conjurar a quimera da origem”, para agitar o que permanecia imóvel, fragmentar o que parecia unido e mostrar “a heterogeneidade do que se imaginava em conformidade consigo mesmo”. A genealogia tradicional vai colocar o fim no começo, reduzindo a história a uma escatologia pueril. Já a genealogia nietzscheana-foulcaultiana, que descarta a noção de uma gênese “divina”, primordial, vai buscar a gênese do discurso através da história, em seus atores, em sua “vontade de potência”. Ela vai buscar, assim, não uma gênese primordial, mas as várias gêneses que se alternam pela história (as epistemes). Como afirma Foucault, “em cada momento da história a dominação se fixa em um ritual; ela impõe obrigações e direitos; ela constitui cuidados os procedimentos”.A estabilidade e continuidade que fora tão cara aos genealogistas, agora se esvai ante sua insuficiência. A história não se caracteriza, portanto, por um avanço contínuo, estável e pacífico, por uma “aproximação sucessiva ao fim”. A história mostra, antes, uma sucessão de epistemes, de regimes de verdade gerados pelo conflito, pelas crises e rupturas, em suma, pela “fragmentação”. O conhecimento, ou descoberta de “C” e “D” não se “somam”, pura e simplesmente aos conteúdos “A” e “B” mas os reformulam. Dessa forma, a noção de continuidade perde seu valor, uma vez que cada estrutura epistemica irá reformular, por completo, à sua luz, suas antecessoras. Assim, as “genealogias” que primam pela continuidade e “progresso” (teleológico) não fazem mais do que reinterpretar o passado à luz de seu presente, de colocar o fim na origem, a fim de justificar e legitimar o presente. Disso segue que tais “genealogias” não atuam tão “desinteressadamente” assim e, é nesse ponto que entra em ação a genealogia nietzscheana-foucaultiana, desmascarando tais discursos, reduzindo-os a discursos a serviço do “poder”. São as finalidades escondidas nas genealogias “desinteressadas” que são estudadas e desmascaradas pela genealogia “foucaultiana”, suas gêneses sucessivas, históricas. Em suma, é a análise da gênese das próprias genealogias!Descartada a idéia da progressão pacífica e contínua a um determinado fim, a sucessão histórica das estruturas epistêmicas vão ocorrer segundo a velha fórmula heraclítica do “combate”. Os discursos são inseridos, assim, em um “campo de batalha”, aonde a episteme “hegemônica” vai lutar pela sua “sobrevivência” rejeitando não conteúdos, mas formas, discursos. A episteme, para Foucault, consiste no “dispositivo estratégico que permite (...) separar não o verdadeiro do falso, mas o inqualificável cientificamente do qualificável”. Ele detém, portanto, um caráter criador de discursos, verdades e prazeres próprios.O poder que reprime é o mesmo que cria e instaura prazeres e saberes. Aqui, não se fala unicamente do poder físico, da força, mas de dispositivos sutis que, se sobrevivem, é exatamente por não serem unicamente repressores, mas também criadores. Segundo Foucault, “o interdito, a recusa, a proibição, longe de serem as formas essenciais do poder, são apenas seus limites, as formas frustradas ou extremas. As relações de poder são, antes de tudo, produtivas”. Ou ainda: “o que faz com que o poder se mantenha e que seja aceito é simplesmente que ele não pesa só como uma força que diz não, mas que de fato ele permeia, produz coisas, induz ao prazer, forma saber, produz discurso”. Pensar o poder como repressor, unicamente, seria recair no essencialismo humano. Se for a existência que produz a essência do homem, se ele é desprovido de uma “essência’ primordial, não faz mais sentido representar o poder como força, unicamente repressora. É ele, o “poder”, quem vai formar, criar, delimitar, individualizar, disciplinar e, também, proibir e delimitar o campo de ação do indivíduo. Afirmar que o caráter “pedagógico” do poder só se expressa pela recusa, pela punição é voltar a essa representação unilateral do poder. É imaginá-lo como um ente, um em si nas mãos do estado ou do governo e não como um feixe de relações, é representá-lo como potência e não como ato. Ora, nada mais distante de Foucault do que tal representação do poder. Segundo ele, “o poder não existe. A idéia de que existe, em determinado lugar, ou emanando de um determinado ponto, algo que é um poder, me parece baseada em uma análise enganosa e que, em todo caso, não dá conta de um número considerável de fenômenos. Na realidade, o poder é um feixe de relações mais ou menos organizado. O poder, portanto, só existe enquanto efetivar-se não consistindo uma propriedade ou potência de nenhum ator privilegiado em condições de utilizá-lo ou não.Segue-se que o poder não atua “pedagogicamente” de cima, exclusivamente por meio de punições. A estrutura epistemica “hegemônica” atua de forma pedagógica por meio da linguagem, das relações sociais, dos tabus, da moral, do “científico”, do aceitável etc. Opor a tal pedagogia “demasiada arbitrária, demasiada repressora” uma outra, “discursiva”, “dialética” seria desconhecer a arbitrariedade da própria linguagem que a fundamenta. Que a pedagogia atue de maneira pacífica dialética-discursiva poderia ser aceitável, mas apenas negligenciando o caráter arbitrário da própria linguagem, retomando a velha crença dialética de que a verdade estaria contida no próprio discurso.Essa metafísica do discurso já era combatida pelo “segundo” Wittgenstein que afirmava: “Pensa-se que aprender a linguagem consista em denominar objetos, isto é, homens, formas, cores, dores, estados de espírito, números etc. Que a denominação é semelhante a pendurar em uma coisa um cartãozinho com um nome. Pode-se dizer que isso é uma preparação para o uso da palavra. Mas para que nos prepara?”. A unidade “transcendental” entre a palavra e a coisa, a representação e o representado era questionada. Wittgenstein rejeitará o essencialismo que pretende ver rígidas substâncias eternas por detrás dos conceitos. O significado de uma palavra é seu uso, “não busqueis o significado, buscai o uso” repetia Wittgenstein; e o uso tem regras, e “seguir uma regra é análogo a obedecer a uma ordem: somos adestrados para obedecer à ordem”. E essas regras que aprendemos através do adestramento são públicas. Com efeito, quanto mais ampla e rica a linguagem que se domina, mais extensa é a realidade que se compreende mas essa compreensão estará, portanto, intimamente ligada à língua com todas as suas limitações e regras limitando, assim, o campo de ação e conhecimento do indivíduo de partida. Segue-se que a própria linguagem enquanto possibilidade de libertação, opera limitando o campo de ação dos indivíduos que são a ela confinados “externamente”, “pedagogicamente”.... pelo poder! Ferdinand de Saussure também explicitará o caráter arbitrário da linguagem enquanto fato social, e sua estrutura sincrônica, que se impõe aos indivíduos “externamente”. E não será exatamente a partir da lingüística (junto à etnologia e psicologia) que Foucault decretará o “fim do homem? Não será esse “triedo” que derrubará de vez a noção do “sujeito fundante” tão cara ao existencialismo? Restará ainda a solução inatista para reconciliar a língua e a realidade, mas, tal processo nos reconduziria às velhas quimeras essencialistas. Tentar escapar ao “jugo” do poder através de tais subterfúgios “pacíficos”, “dialéticos” e “discursivos” se mostra, a nosso ver, insuficiente, uma vez que não questiona seus próprios fundamentos, a saber, a linguagem e a forma como essa é “introduzida”nos indivíduos. Foucault explicitará seu método genealógico em seu ensaio “Nietzsche, a genealogia e a história” como uma forma de autocrítica à sua Histoire de la folie, na qual ele buscava e celebrava uma “verdade originária e profunda do homem”, a “experiência trágica” da loucura dionisíaca. Ora, se o homem não tem uma “essência”, uma “natureza”, constituindo-se um Dasein (para falarmos em linguagem hegeliana-heideggeriana) a ser investido e “formado” pelo “poder”, caracterizá-lo como homo, hetero ou mesmo bi-sexual “de partida” consistiria um recuo a categorias já superadas pelo mesmo. É nesse ponto que a figura do hermafrodismo nos parece paradigmática. Em um congresso da Arcadie, em 1979 junto de Paul Veyne, após esse discorrer acerca do “modelo grego de sexualidade”, Foucault se perguntava como teria ocorrido a transição desse modelo baseado na hierarquia ao nosso, baseado na distinção “masculino/feminino”. “Temos verdadeiramente necessidade de um verdadeiro sexo?”, ele perguntará e, nesse ponto, entra a figura do hermafrodismo. Na Idade Média, verifica Foucault, cabia ao pai escolher e fixar, no momento do batismo, o sexo que ficaria, assim, determinado ao hermafrodita. Porém, “no limiar da idade adulta, quando chegava a idade de casar-se, o hermafrodita ficava livre para decidir, ele próprio, se queria continuar sendo do sexo que lhe haviam atribuído, ou se preferia o outro. Único imperativo: não mudar, conservar até o fim dos seus dias o sexo que declarar então...”. A partir do século XVIII as coisas mudam e os aparelhos do Estado recusam a idéia de uma mistura dos dois sexos em um corpo restringindo a “livre escolha” dos indivíduos “incertos”. A partir daí, podemos constatar que o hermafrodismo é menos um bi-sexualismo do que uma incerteza, um leque de possibilidades abertas ao indivíduo “livre”. Dessa forma, não vemos como ele poderia afirmar, como foi dito, que os homens nasceriam “bi”, mas, antes, livres de um “sexo verdadeiro”, com todas as possibilidades à sua frente. Se a interpretação de certos pontos de sua obra pode se desdobrar no sentido de uma “apologia” ao homossexualismo, essa consistiria menos em uma celebração do retorno do homem à sua essência originária do que uma “tática” válida para superar-se a estrutura “hegemônica” e, de maneira alguma necessária ou obrigatória (valendo o mesmo para o sadomasoquismo que ele via como uma possibilidade de uma sexualidade mais “inventiva”, junto a Deleuze).É claro que cair no maniqueísmo da recusa pura e sistemática da “ordem” estabelecida não é a “solução” final de Foucault, quando não, porque a mera oposição ao “sistema de valores” estabelecido pode, ao contrário, representar um trunfo do próprio “sistema”. Se reduzir às atitudes diametralmente opostas à regra constitui menos uma libertação do que uma simples “troca de jaula”. Essa seria, por exemplo, a solução de Sade, a quem ele classifica como “monótono”. A “solução” foucaultiana poderia estar ilustrada nessas palavras do próprio, consistindo em “se apoderar por violência ou sub-repção, de um sistema de regras que não tem em si significação essencial, e lhe impor uma direção, dobrá-lo a uma nova vontade, fazê-lo entrar em um outro jogo e submetê-lo a novas regras”. Portanto, não é tanto negar o sistema quanto usá-lo a seu serviço (Nietzsche já falava da “racionalização” dos instintos, engendrando a “má-consciência” como possibilidade de realização dos “desejos animais”) Note-se que essa fórmula é ilustrada enquanto forma e nunca como conteúdo. Rejeitando, junto a Nietzsche, a idéia de Absoluto, sua “solução”, assim como o übermensch nietzscheano não pode exprimir-se senão enquanto forma, nunca um conteúdo, nunca enquanto ideal, enquanto ídolo, afinal, esses, já tiveram seus “crepúsculos”.


A GRANDE INTERNAÇÃO


No caminho da dúvida, Descartes encontra a loucura ao lado do sonho e de todas as formas de erro. O ser que cogita não pode estar louco. A impossibilidade de estar louco não está no objeto do pensamento, mas ao sujeito que pensa. Se duvido, penso, e se duvido, não posso estar louco, pois duvido de minha loucura. "Sonhos e ilusões são superados na própria estrutura da verdade, mas a loucura é excluída pelo sujeito que duvida". O sujeito que pensa sabe que seu sonho não é real, mas o louco tem o próprio erro (sonho) em sua vida.
Porém, o caminho da dúvida traz o fato de que nunca se tem certeza de não estar sonhando, nenhuma certeza se garante que se não está louco. A loucura circundada pelo erro e pela ilusão torna evidente aqui o movimento em que a razão engloba o próprio movimento da loucura, após o fato de ser antítese. A loucura não é mais a aventura da razão, mas está delimitada, e quase segura para a manipulação da razão. "Doravante, a loucura está exilada".
A criação do Hospital Geral em Paris data de 1656, que era abrigo de um arsenal. Literalmente Salpêtrière significa "mina de salitre". Ao Hospital Geral fica o cargo de recolher os que se apresentam de livre vontade ou encaminhados pelo direito (poder real ou judiciário). Aqueles que estão por um direito legítimo, é onde deveriam estar. O diretor do hospital é nomeado por toda a vida, e sua jurisdição não se restringe ao hospital, mas a exercer tarefa de polícia a toda a cidade.
Mas Foucault salienta aqui que o HG não é um estabelecimento médico. "É antes uma atividade administrativa". É uma instância de ordem, uma extensão do poder real ao civil (aqui podemos desenvolver o conceito de panopticismo, na descentralização do Estado).
A Igreja, no entanto, participa desse movimento de criação de internamentos.
Essas casas de internamento tinham um papel de assistência e repressão, de 'socorrer os pobres', unindo o assistencialismo no conceito de hospitalidade católico com o de ordem burguesa 'no mundo da miséria'. Foucault acrescenta que desde a Renascença os leprosários haviam sido abandonados, enquanto no Classicismo foram 'estranhamente' re-ocupados (séc. XVII). Havia um pouco da percepção de exclusão da lepra no internamento dos loucos (que na verdade não era exclusivamente para os loucos, nem prioritariamente). O hospital serviria então para "punição dos vagabundos e alívio dos pobres". Nas Workhouses da Inglaterra eram recomendados que os doentes contagiosos fossem expulsos.
Deve-se olhar para o caráter da citação "punição dos vagabundos e alívio dos pobres"; O internamento era um lugar ao mesmo tempo de redenção e repressão, coerção. Entre os muros do internamento estão vagabundos, pobres, jovens 'devassos', libertinos, criminosos e insanos. A percepção da época não diferencia esses sujeitos em nenhuma classificação. Para essa segregação uniforme (aos olhos do homem classicista), era necessário uma percepção social (expressão essa que é fundamental nessa obra). Realmente percepção social designa a vivência de todas as significações de uma determinada época.
Deve-se relegar, em parte, essa percepção social à filosofia protestante (Lutero e Calvino), onde o trabalho coloca-se em lugar privilegiado. Temos, a princípio, o valor do pobre como possuidor de uma verdade divina (Jesus era pobre). Quanto ao trabalho, não é a obra que justifica, mas a fé que a enraíza em Deus. O trabalho é aí fundamentado na fé. É a própria graça de Deus. O milagre de Deus no homem é o trabalho. O trabalho é aquilo que comprova a fé do homem devido ao ditado" não tentarás o Senhor teu Deus". Aquele que tenta, não está abusando da boa vontade divina? Logo, o pobre passa por esse valor imoral. E o homem que não trabalha tem esse estigma para carregar. O mundo católico logo aplica os conceitos protestantes a seu acervo.
Dessa forma, o que encontram os miseráveis na casa de internamento? "A vida, a roupa, uma profissão e o castigo".
Surgem os 'bons' internos e os 'maus' internos; os bons internos são aqueles que aceitam sua pobreza e se sujeitam à correção do internamento, e aí encontram seu descanso. Os maus internos, aqueles que desejam 'escapar à ordem', recusam o internamento, e por isso, o merecem. Assim, há o bom e o mal pobre, o pobre de Jesus e o do demônio. Assim o internamento configura-se como benefício e punição, ao mesmo tempo, num movimento legitimado pelos próprios atos daquele que é internado.
Deve-se lembrar sempre que a ética burguesa é a ética do trabalho.
O desempregado, aí, passa a ter um elo referente ao Estado. Não é aí que se toma conta do desempregado? Faz-se o 'bem' a ele, mas com o 'bom senso' de se aceitar o internamento. Em épocas de crise, a função do HG é dar trabalho aos desempregados; quando não há crise, dá-se trabalho aos que foram presos, num movimento de mão de obra barata em períodos de emprego, e em período de desemprego, reabsorção dos ociosos. Era um movimento dúbio, mas coerente à época.
A pobreza não era devida à "escassez do desemprego, mas o esmorecimento da disciplina e a frouxidão dos costumes".
"A moral se deixa administrar como o comércio ou a economia". A consciência burguesa começa a desenvolver-se por esses conceitos, a desembocar na revolução. Na Igreja, há uma concordância com essas 'cidades do bem' (os HGs), devido ao mito de felicidade social por meio da ordem baseada na moral. A ordem pode ser adequada à virtude.
O louco, aí, passa a perder o valor 'mágico' que possuía na Idade Média (a própria razão já 'englobou' a insanidade em sua dialética). O lugar do louco, no Classicismo, não é num lugar de sonho, mas no lugar dos vagabundos e pobres. A ética do trabalho e da exclusão estão completamente coerentes nessa época.


STULTIFERA NAVIS


O livro começa com uma pequena frase que parece denunciar um valor da própria loucura que existe atualmente; "Ao final da Idade Média, a lepra desaparece do mundo ocidental". O grande mal deixa vazio todo um conjunto de estabelecimentos que serviam para a exclusão daqueles que não poderiam conviver com o mundo. O desaparecimento da lepra parece coincidir com a ruptura com os focos orientais de infecção, após as cruzadas.
Por uma estranha inversão de valores, os leprosos obtiam a salvação (refere-se Foucault aqui a valores exclusivamente morais) na própria exclusão. "E, testemunhas hieráticas do mal, obtêm a salvação na e através dessa própria exclusão. (...) eles se salvam pela mão que não se estende”.
Conforme o autor, a "lepra foi substituída inicialmente pelas doenças venéreas".
A Nau dos Loucos, um novo objeto da paisagem imaginária da Renascença, seria um estranho barco "que desliza ao longo dos calmos rios da Renânia e dos canais flamengos".Essas Stultiferae naviculae eram criações romanescas ou satíricas; No entanto, a "Narrenschiff" obteve existência real, um tipo de barco que levava os loucos de cidade à outra. A nau dos loucos parecia ser um navio simbólico da busca da razão, movimento este que mostra na história o movimento da razão em primeiro lugar formar-se uma antítese à insanidade, e posteriormente, "englobá-la"; a razão torna-se "maior" que a insanidade a partir da formulação dessa dicotomia, e enfim, a manipula. Sobre a cura nesse contexto, "a preocupação de cura e de exclusão juntavam-se numa só: encerravam-nos no espaço sagrado do milagre".
Duas citações importantes, sobre a dinâmica da nau dos loucos: "mas a isso a água acrescenta a massa obscura de seus próprios valores; ela leva embora, mas faz mais que isso, ela purifica" e "cada um é confiado a seu próprio destino, (...), é para o outro mundo que parte o louco em sua barca louca; é do outro mundo que ele chega quando desembarca”. O louco é o passageiro por excelência, é o prisioneiro da passagem (e poderia ser "escravo do devir"). Ao falar-se sobre a água, esta se remete ao lunatismo, já que a lua é o "mais aquático dos astros".
É que ela [a barca] simboliza toda uma inquietude, soerguida subitamente no horizonte da cultura européia, por volta do fim da idade média. A loucura e o louco tornam-se personagens maiores em sua ambigüidade: ameaça e irrisão, vertiginoso desatino do mundo e medíocre ridículo dos homens.
A loucura, como a lepra, é um "estar mais próximo da morte". Dessa forma aparece o discurso acadêmico relacionado à loucura estar mais próxima da verdade e da felicidade do que a própria razão. E "mais próxima da razão que a própria razão".
No início da Renascença, a loucura é percebida em sua experiência com a ruína do simbolismo gótico e o homem simbólico torna-se um pássaro fantástico cujo pescoço desmesurado se dobra mil vezes sobre si mesmo - ser insensato, a meio caminho entre o animal e a coisa, mais próximo dos prestígios próprios à imagem que do rigor de um sentido. Esta sabedoria simbólica é prisioneira das loucuras do sonho. A animalidade parece aparecer no jogo da loucura, onde "no juízo final o pecador aparece em sua nudez hedionda".
Por certo, a loucura atrai [na Renascença], mas não fascina. Ela governa tudo o que há de fácil, de alegre, de ligeiro no mundo.
Mas mesmo que seja mais sábia que toda a ciência, frente á sabedoria a loucura ainda é loucura. E isso garante algo a mais na sabedoria. Mas há a loucura relacionada ao absurdo: "comparada com a verdade das essências e de Deus, toda a ordem humana é apenas uma loucura". Essa "hierarquia" da loucura se dá como efeito da própria função loucura x razão. A loucura só existe em relação à razão. E aparece já traços da supremacia da razão, já que a razão "sabe" sobre a loucura. O próprio "recolhimento do espírito para dentro de si mesmo" pode, além da sabedoria, delimitar loucura.
Conforme Foucault, a razão possui um valor a mais nesse jogo em relação à loucura. É através da loucura que a razão "triunfa".
"Centenas de vezes peguei a lanterna, Procurando em plena luz do dia...”.



REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS




- TEMAS DE FILOSOFIA – MARIA LUCIA DE ARRUDA ARANHA E MARIA HELENA PIRES MARTINS – EDITORA MODERNA


- A SABEDORIA DA FILOSOFIA – NICOLA ABBAGNANO – EDITORA VOZES


- PÓS-MODERNISMO – STANLEY J. GRENS – VIDA NOVA.


- ALGUNS TEXTOS E OBRAS INCLUSOS DA INTERNET


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 Por Jhony Ribeiro 

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