Os exegetas (tem tarefa de interpretar e dar seu significado) chamam evangelhos sinópticos aos de Mateus, Marcos e Lucas; desde que a exegese começou a ser aplicada à Bíblia ainda no século XVIII que os especialistas se aperceberam que, dos quatro evangelhos, os três primeiros apresentavam grandes semelhanças em si, de tal forma que se colocados em três grelhas paralelas - donde vem o nome sinóptico, do grego συν, "syn" (junto) e οψις, "opsis" (ver) -, os assuntos neles abordados correspondiam quase inteiramente. Por parecer que quase teriam ido beber as suas informações a uma mesma fonte, como os primeiros grandes exegetas eram alemaes, designaram essa fonte por Q, abreviatura de Quelle, que significa precisamente "fonte" em alemão.
Os livros que formam o cânon do Novo Testamento não estão ali por acaso. No primeiro século, no início da igreja, várias circunstâncias daquele tempo fizeram com que fossem necessários critérios de aceitação dos escritos a respeito da vida e obra de Jesus que influenciariam doutrinariamente a igreja recém-nascida. Um dos primeiros e principais critérios da igreja para aceitar um livro como autoridade doutrinária rezava que este deveria ter sido escrito por um apóstolo ou seu discípulo, o que garantia a procedência da doutrina ali ensinada.
Com base neste critério, as primeiras listas dos livros canônicos colocavam os evangelhos na ordem de Mateus, João, Lucas e Marcos; uma vez que os dois primeiros eram apóstolos, então lhes era conferida maior autoridade, e os dois últimos eram discípulos de Paulo e Pedro, respectivamente. Com o passar do tempo e com a percepção da semelhança entre Mateus, Marcos e Lucas, estes três livros passaram e constar na ordem que estão hoje em nossas Bíblias. A tradição ainda conservou Mateus como o primeiro, devido à autoridade apostólica, seguido por Marcos e Lucas, agrupados devido à mesma linha literária, e depois João, que possui um estilo literário distinto dos três primeiros.
Os evangelhos sinóticos estão relacionados um com o outro segundo o seguinte esquema: se o conteúdo de cada evangelho é indexado em 100, então quando se compara esse resultado se obtém: Marcos tem 7 peculiaridades e 93 coincidências. Mateus tem 42 peculiaridades e 58 coincidências. Lucas tem 59 peculiaridades e 41 coincidências. Isso é, 13/14 (treze quatorze avos) de Marcos, 4/7 de Mateus e 2/5 de Lucas descrevem os mesmos eventos em linguagem similar.
Como Jesus é apresentado
“Mateus” – escreveu imediatamente para os judeus e, mediatamente, para uma comunidade gentílica. É o único dos evangelistas bíblicos que apresenta a palavra “Igreja” (ekklessia, no grego. MT 16:18). Sua “teologia da mensagem” versa sobre a “Realeza de Cristo (Messias)”. É o que mais fala no Reino de Deus – particularmente no “Reino dos Céus“, expressão que lhe é peculiar, talvez por um cuidado rabínico em não expressar constantemente o nome de Deus (daí não usar o termo “Reino de Deus”).
“Marcos” – “Marcos” foi o primeiro dos Evangelhos bíblicos escritos, e não “Mateus”. Sabe-se que os livros bíblicos não estão na ordem cronológica de sua composição, mas no caso dos Evangelhos isto não era verdade. Marcos é o menor dos evangelhos (em termos de quantidade de texto) e também traz como tema central o messianismo de Jesus. Contudo, por causa de características peculiares ao seu relato – em que mostra um estilo prático no conteúdo e na forma -, afirma-se que o Evangelho é o que enfatiza o “Messias-Servo de Deus”.
“Lucas” – o evangelho que leva o nome de um dos maiores colaboradores do apóstolo Paulo é o único que tem o destinatário especificado, “Teófilo” (Lc 1:1.4). Lucas, como os demais sinóticos e o Evangelho de João também enfatiza o messianismo de Jesus, com a particularidade de evidenciar o aspecto humano deste. É o Evangelho em que mais se vê a expressão “Filho do Homem” e é o único em que a genealogia de Jesus retroage até o primeiro homem, Adão. Isto pode denotar a ideia de que Lucas, que era grego, queria ressaltar que Jesus Cristo, antes de ser “Filho de Davi” ou “Filho de Abrão” – expressões que carregam uma forte conotação etnocêntrica -, era o “Filho do Homem”, com uma ligação com toda a humanidade.
“João” – não é considerado um sinótico com os demais, pois não é semelhante aos mesmos. João é, na verdade, 93% diferente dos Evangelhos sinóticos. Isto se dá pela ênfase do relato joanino, que, como os demais, também enfatiza o aspecto messiânico de Jesus. Contudo, João escreve o Evangelho que leva seu nome de uma maneira mais peculiar: estão evidenciadas no relato os discursos de Jesus que o ligam à divindade, ou seja, àqueles que revelam que Jesus era Deus. Os discursos “Eu Sou…” de Jesus, exclusivos de João, consolidam esta ideia. Neste Evangelho Jesus é, por exemplo, “o Caminho, a Verdade e a Vida” (Jo14:6), aliando-se especialmente à divindade. O “prólogo” joanino é um dos mais conhecidos de toda a literatura bíblica (“No princípio era a Palavra (Verbo), e a Palavra estava com Deus, e a Palavra era Deus” (Jo 1:2). Uma cristologia apurada já pode ser observada neste texto, no qual o autor (João) liga Jesus (“a Palavra”) a Deus, sem confundi-lo com Deus Pai. Assim, Jesus está com Deus e é Deus, corroborando o tradicional e ortodoxo dogma da divindade e humanidade de Jesus.
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