Há esperança para um suicida?
Portanto, nada julgueis antes de tempo, até que o Senhor venha, o qual também trará à luz as coisas ocultas das trevas, e manifestará os desígnios dos corações; e então cada um receberá de Deus o louvor. 1 Coríntios 4:5
Existem assuntos aos quais não temos como obter respostas absolutas ou existem assuntos aos quais não se podem ser esgotados com uma série de argumentações. Não adianta recalcitrar contra os aguilhões epistemológicos. Não se tem como um ser humano deter todo o saber, mas isso não deve impedi-lo de se esforçar para produzir reflexões à luz do evangelho.
Soubemos de uma recente, triste e fatídica notícia de que um pastor assembleiano foi acometido de morte por suicídio, o que faz com que a notícia em si (pastor evangélico + Assembléia de Deus + suicídio) gere uma onda de debates sobre a consequência direta de um pecado letal. Separe uns minutos para refletir comigo.
O suicídio é um pecado gravíssimo contra Deus
Não estou aqui para fazer campanha pró-suicídio. Longe de mim tal estigma. Estou aqui para afirmar, antes de qualquer coisa, que o suicídio é pecado sim e que ofende a santidade de Deus e que se configura sim (no caso do cristão) num fracasso na fé e na perseverança – o que pode sim implicar na sua eternidade. No entanto, quero neste artigo refletir mais sobre a causa do suicídio na individuação humana; ou seja, na forma como uma pessoa se distingue das outras, independentemente da influência do meio ao qual ela está inserida.
Quem é o suicida?
Para muitos, o suicida é um assassino de um ser humano criado à imagem de Deus – ele mesmo. E isso não deixa de ser uma verdade. Mas o suicida é mais que isso: o suicida, na maioria dos casos, é um assassino da própria dor, alguém que está passando por uma crise existencial tão profunda, aliada a uma tristeza inexplicável (o que chamamos de depressão) e que, num momento de maior fraqueza, acabou por sucumbir a um sentimento que lhe afrontava a mente diuturnamente.
Nós, que nunca tivemos de lidar com tal estágio de sofrimento na alma (e graças a Deus por isso!), teremos sempre uma enorme dificuldade para produzir uma palavrinha chamada “empatia”, que significa sentir a dor do outro. Para nós, é muito mais prático julgar que este ser humano fraquejou demais e que, devido sua covardia, não apenas merece como vai para o inferno.
O céu é o lugar de pecadores como um suicida?
Respeito muito quem pensa que a vida cristã é triunfalista no sentido de que todos precisam sempre vencer suas dores e triunfar sobre o pecado, mas creio diferente. Vence-dores são aqueles que aprendem a viver como perde-dores; ou seja, sabem que a vida não é feita de apenas triunfos espirituais. Tem muito cristão verdadeiro que vai chegar ao céu mancando – e isso não lhe será motivo de humilhação alguma –, enquanto outros, que se acham muito mais santos e justos, talvez não consigam chegar à eternidade pelo simples fato de não terem sido regenerados enquanto tiveram tempo. Se a união com Cristo é mística (misteriosa), devemos cuidar para que estejamos desfrutando da mesma de fato e de verdade, não apenas por asseveração teológica.
O chamado no evangelho é para a vitória sobre toda a angústia e dor, assim como Cristo, que venceu a profunda tristeza gerada pela morte de Lázaro e também a inigualável angústia no Getsêmani; porém, precisamos compreender que, na prática, os filhos de Deus não são o que afirmam ser quando o assunto é fraqueza, de modo que muitos (e não poucos) sucumbem diariamente a diversas tentações – e não se sentem dignos do inferno por isso.
É muito simplista da parte de alguém que não consegue deixar a petulância, o orgulho ou a arrogância, ou até mesmo o complexo de inferioridade ou de superioridade, enquanto condena um irmão que sofre de depressão profunda, como se este fosse um fracassado na fé. Creio que tais irmãos, que lutam até o fim pela fé mesmo em meio a tantos sofrimentos na mente ou na alma, são muito mais fortes do que muitos “profetas velhos” que já não podem mais se enxergar pecadores, pois cauterizaram suas mentes para não enxergar as próprias mazelas (o que não os impede de apontar as mazelas de todos os outros).
Este é o problema do soberbo: um problema oftalmológico-existencial, como diz o meu pastor Neil Barreto.
Creio que o céu é o lugar de pecadores que foram justificados pelos méritos exclusivos de Jesus Cristo, e que ele e somente ele é quem os justifica. O que vai diferir sempre são as consequências dos pecados, pois um assassinato (seja de si, seja do outro) traz consigo uma conseqüência mais grave e infinitamente mais dolorosa do que uma maledicência, que nós apelidamos de “fofoca”.
Todavia, ambos são ofensivos a Deus e os praticantes destes pecados não devem herdar o Reino. Em tese, quem pratica a idolatria (ainda que de si mesmo, adorando a própria imagem), ou quem pratica a injustiça, acumulando dívidas que sabe que não poderá pagar, ou mesmo quem fala mal do próximo (quebrando assim o mandamento apostólico de Tiago 4.11), deve ficar ciente de que não herdará o Reino. Não creio assim. O Reino é para aqueles que lutam contra o pecado, não para quem necessariamente não peca mais, até porque esta hipótese é, em si, pecaminosa (1 João 1.8).
Sou salvo porque obedeço ou obedeço porque sou salvo?
Certamente a maioria dos cristãos lida com Deus na lógica do mérito humano. Acreditam que o que fazem ou deixam de fazer os tornam justos diante do Santíssimo Deus – ou não. Pensam que suas obras (ainda que fora da mediação direta de Cristo) são determinantes para que Deus as aceite em sua família. Mas não é assim que a Escritura nos ensina. Somos salvos para a obediência, e não pela obediência. A única obediência que importa na nossa salvação é a obediência do Unigênito do Pai, que é Cristo. Ele deposita esta obediência em nossa conta, para que sejamos feitos filhos de Deus pela fé somente em Jesus. É um erro mais grave ainda imputar justiça própria na obra da redenção. Por isso mesmo que penso que todo cristão não pode ser separado do amor de Deus em Cristo Jesus pelos pecados que comete.
A única esperança de um pecador é Cristo
Acho presunção tentar esgotar um assunto como este em um artigo. Minha intenção aqui é provocar uma reflexão, para que não sejamos tão precipitados em determinar a eternidade de ninguém. E sempre teremos os contextos, pois bem sabemos que, biblicamente, o fim de Judas (que se suicidou) foi irreversível. Existem assuntos bíblicos que exigem de nós duas coisas: um esforço maior de estudo e reflexão para chegarmos numa conclusão coerentemente bíblica ou o simples silêncio de quem sabe que é mais lucro não levar adiante.
Tratar do futuro dos ímpios é considerar a relação destes com a pessoa e a obra de Jesus. Talvez este seja um caminho melhor para entendermos o que pode ser a realidade de alguém que sucumbiu num pecado tão grave. O salário ou a recompensa do pecado é a morte – para todos os tipos de pecado – o que deve sempre nos levar a um temor de Deus verdadeiro.
Porém, irmãos que amam a Cristo e que são verdadeiramente cristãos, regenerados e fiés, podem lidar com a depressão, com o transtorno bipolar, com a ansiedade ou até mesmo com a culminância fatídica de alguns destes sofrimentos humanos. Ingênuo é o pastor que acha que os membros da igreja não sofrem em suas subjetividades. E despreparado é o sacerdote que não tem uma palavra de consolo e esperança para estes irmãos que não se limite a “você tem que fazer um esforço de fé para sair dessa”.
Oro para que os pastores nesta geração, que tem o Brasil como campeão mundial em crise de ansiedade e que é um top 3 no quesito depressão, que lidem biblicamente com os irmãos, tendo em vista encorajá-los com o evangelho, e apontar-lhes a cruz de Cristo como a esperança final para se perseverar na fé e na vida terrena. Porém, caso algum deles venha a falhar, que estes não cometam o impropério de afirmar que estes irmãos definitivamente não possuem mais esperança, pois deve-se considerar que Cristo justifica o pecador de todo o pecado, e que tornar impuro aquele que Deus santificou é um pecado tão grave quanto.
Considerações finais
Precisamos resistir firmes na fé, sabendo que as aflições se cumprem entre os irmãos nossos no mundo todo (1 Pedro 5.9). Não podemos ignorar o fato de que Deus faz que seu sol se levante sobre maus e bons, e que a chuva desce sobre justos e injustos (Mateus 5.45). Sem dúvidas, tudo sucede igualmente a todos; o mesmo sucede ao justo e ao ímpio, ao bom e ao puro, como ao impuro; assim ao que sacrifica como ao que não sacrifica; assim ao bom como ao pecador; ao que jura como ao que teme ao juramento.
Este é o mal que há entre tudo quanto se faz debaixo do sol; a todos sucede o mesmo (Eclesiastes 9.2,3ª). Entretanto, estou certo de que, nem a morte, nem a vida, nem os anjos, nem os principados, nem as potestades, nem o presente, nem o porvir, nem a altura, nem a profundidade, nem alguma outra criatura nos poderá separar do amor de Deus, que está em Cristo Jesus nosso Senhor. (Romanos 8.38,39).
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