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terça-feira, 29 de outubro de 2019

Cultura e Santidade- A Queda.

CULTURA E SANTIDADE.


Texto Básico: Gênesis 2.4-17
Leitura diária
Gn 2.4-17 A cultura no jardim
Sl 14.1-7 Todos se corromperam
Rm 7.7-25 Em mim não habita bem nenhum
Gn 4.17-26 Os descendentes de Caim
1Pe 1.13-21 Tornai-vos santos
1Jo 2.1-6 Andar como ele andou
Ap 7.9-12 De todas as tribos, povos e línguas

Introdução

Hoje veremos os efeitos da Queda na cul­tura humana. Veremos que a cultura, assim como todas as áreas da vida humana, também foi contaminada pelo pecado e, assim como fazemos em todas as outras áreas da nossa vida, também na cultura precisamos nos esforçar para amenizar os efeitos do pecado, restaurando-a para a glória de Deus. Alguns importantes elementos da cultura, tais como a relação humana com a natureza, as relações familiares e o trabalho não serão tratados aqui porque foram discutidos em outras lições. Hoje estudaremos a relação do cristão com a cultura em geral e a importância da redenção da cultura.

I. A questão da cultura

Quando abrimos a Escritura, encontramos a cultura em todas as páginas. Ela é encontra­da desde o jardim do Éden até os salmos de Davi; dos peixes que os apóstolos pescavam e comiam até as roupas que eles usavam; das rivalidades entre judeus e gentios até ao cos­tume de servir vinho nas festas de casamento. As próprias Escrituras refletem a variedade de culturas humanas. Elas são uma coleção de escritos produzidos por um período de cerca de 1500 anos por pessoas pertencentes a uma grande faixa de contextos sociais. Os estilos de vida de nômades como Abraão, Sara, Rebeca e Jacó diferem muito dos estilos de vida de Moisés, da vida palaciana de Davi, do mundo internacional de Salomão ou de várias comunidades judaicas do Egito, da Babilônia e da Pérsia.
Depois de sua ressurreição, pouco antes de subir ao céu, Jesus ordenou que os apóstolos fizessem discípulos de todas as nações, o que pressupõe que eles deviam fazer discípulos das mais variadas culturas. A visão de uma humanidade plenamente redimida é descrita como uma multidão de crentes de todas as na­ções, todas as tribos, povos e línguas (Ap 7.9). Além disso, a “glória e a honra” das nações são trazidas para a cidade celestial, embora “nada impuro entre nela, nem qualquer pessoa que pratique abominação ou falsidade” (Ap 21.23-27), o que aponta para o fato de que a cultura dos habitantes da cidade celestial é perfeitamente boa e santa aos olhos do Se­nhor, assim como era antes do surgimento do pecado no mundo criado por Deus.
Apesar de tudo isso, a questão da relação entre do cristão com a cultura sempre foi um tema de grande controvérsia capaz de provo­car debates muito ásperos. Na maior parte das vezes, porém, os argumentos são elaborados com base na opinião pessoal de cada cristão, na defesa das preferências pessoais de quem participa do debate. Sempre que isso é feito, o debate provoca mais calor do que luz. Nossa única regra de fé e prática é a Escritura e o que devemos fazer para nos orientar nesta e em todas as outras questões de fé e prática é nos debruçar sobre ela e ver o que ela tem a nos dizer, deixando nossas próprias opiniões sujeitas ao seu ensino. Vejamos, então, o que podemos aprender na Bíblia sobre nossa postura em relação à cultura.
Existem várias posturas adotadas pelos cristãos em relação à cultura, mas, na prática, duas posturas são predominantes. A primeira delas é a assimilação total da cultura, sem qualquer critério nem juízo de valor por parte dos cristãos. Pense, por exemplo, nas festas juninas e no carnaval. Estas duas festividades fazem parte da cultura brasileira. No entanto, as festas juninas são comemorações ligadas a alguns santos católicos. Não adoramos estes santos. Não dirigimos orações a eles nem cremos que eles tenham algum poder de in­tercessão diante de Deus, que é uma parte da obra de Cristo. Apesar disso, alguns cristãos não vêm problema em assimilar este elemento de nossa cultura e participar das festas ju­ninas. Aliás, algumas igrejas até organizam suas próprias festas juninas, sob a alegação de que estão “reivindicando esta festa para Jesus”. Será mesmo? Será que a vontade de Jesus se harmoniza mais com esta “reivin­dicação” do que com a orientação de Paulo à igreja de Corinto em 1Coríntios 10.14? O mesmo acontece com o carnaval. Esta é uma festividade muito popular muito usada para dar vazão à carnalidade, o que a torna totalmente inadequada para o cristão. No entanto, alguns cristãos não veem problema em participar do carnaval, o que demonstra que eles assimilaram totalmente este elemento cultural. Assim como acontece com as festas juninas, há igrejas que montam seus próprios blocos carnavalescos e participam de desfiles de blocos. Desta vez, a alegação é de que estão seguindo o exemplo de Paulo: “Fiz-me fraco para com os fracos, com o fim de ganhar os fracos. Fiz-me tudo para com todos, com o fim de, por todos os modos, ganhar alguns” (1Co 9.22). No entanto, embora tenha se feito tudo para com todos, o apóstolo nunca abriu mão do zelo por sua santidade nem aderiu ao pecado para alcançar pecadores. Aqui, também, continua em vigor a clara recomen­dação do Espírito dada por meio do apóstolo: “Fugi da impureza” (1Co 6.18). Este tipo de assimilação da cultura sem nenhum critério é uma pedra de tropeço para a santidade dos cristãos e um sério impedimento para que o cristão ou a igreja exerça seu papel de sal da terra e luz do mundo.
A segunda principal postura adotada pelos cristãos em relação à cultura é rejeitá-la to­talmente como algo mau. Bem, aqui também temos sérios problemas. O primeiro deles é que, como vimos acima, a cultura não é má. Ela foi criada muito boa por Deus e já existia no jardim antes do surgimento do pecado. Em­bora o pecado tenha feito estragos na cultura, ela continua mantendo alguns elementos que são importantes e bons em virtude de terem sido criados por Deus. O segundo problema é que simplesmente não é possível vivermos sem cultura. Não é possível dizer: a partir de hoje, não me envolvo mais com nenhum elemento cultural de nenhuma espécie. Como a cultura é o modo como nos relacionamos com a criação de Deus, inclusive com nos­sos semelhantes, ela está presente em tudo o que fazemos. O terceiro problema é que os cristãos que tentam evitar a cultura e as manifestações culturais simplesmente não conseguem fazer isso e, por isso, ficam com a consciência pesada toda vez que usam uma roupa da moda, vão ao cinema, ao teatro ou simplesmente torcem para um time de fute­bol. Esta postura faz com que o cristão viva permanentemente com a consciência pesada a troco de nada. “Para a liberdade foi que Cristo nos libertou. Permanecei, pois, firmes, e não vos submetais, de novo, a jugo de escravidão” (Gl 5.1), diz Paulo. E ainda: “Ora, o Senhor é o Espírito; e, onde está o Espírito do Senhor, aí há liberdade” (2Co 3.17).
Nenhuma das duas posturas faz justiça ao ensino bíblico. A primeira, ao assimilar a cul­tura sem nenhum tipo de critério, negligencia o fato de que o pecado fez grandes estragos em toda a criação de Deus, inclusive na cultu­ra. A segunda negligencia o ensino bíblico de que a cultura é muito boa e existia no jardim antes mesmo que o primeiro pecado fosse co­metido. Qual é, então, o ensino bíblico sobre isso? Como devemos lidar com a cultura?

 II. A cultura e os filhos de Caim

O livro de Gênesis relata um acentuado desenvolvimento cultural entre os descenden­tes de Caim (Gn 4.17-26). De acordo com o relato bíblico, Jabal desenvolveu formas para melhorar a habitação humana em tendas e criou procedimentos para lidar com o gado, refletindo, assim, dois importantes aspectos culturais: O modo como nos abrigamos e o modo como nos relacionamos com os meios de produção. Isso não é mau em si mesmo. Observe que, antes de Jabal, Abel já é men­cionado como pastor de ovelhas (Gn 4.2). Apesar disso, Jabal é mencionado como “o pai dos que habitam em tendas e possuem gado” (4.20) por causa de sua criatividade, que superou a habilidade pastoril de Abel. Jabal era mais habilidoso e mais criativo do que Abel no exercício de suas atividades. A própria Escritura relata que Abraão viveu em tendas e possuía gado (Gn 13.2, 18) e em nenhum momento foi repreendido por Deus por causa disso. Aliás, o tabernáculo que Deus ordenou que Moisés construísse para servir de local de comunhão entre Israel e o Senhor era uma grande tenda destinada ao culto. Jubal, por sua vez, desenvolveu a música instru­mental, sendo mencionado como “o pai de todos os que tocam harpa e flauta” (Gn 4.21). Estes instrumentos são mencionados por Davi como sendo usados na adoração a Deus (Sl 150). Ele mesmo tocava harpa (1Sm 16.23; 2Sm 6.3) e compôs salmos para serem can­tados ao som da flauta (Sl 5). Mais uma vez, embora o desenvolvimento musical tenha tido um bom impulso por meio de Jubal, isto não indica que a música em si e os instrumentos com os quais é executada sejam maus em si mesmos. Tubalcaim desenvolveu métodos para trabalhar com o bronze e o ferro. O bronze foi usado na construção do tabernáculo e do templo (Êx 35.24) e utensílios de ferro foram consagrados ao Senhor por Josué (Js 6.19). Portanto, embora os descendentes de Caim tenham desenvolvido a cultura em sua geração, isso de modo nenhum significa que ela seja “coisa de gente má” ou que seja má em si mesma. O que é mau é tentar viver sem Deus ou colocar a cultura no lugar Deus.
Em resumo, podemos dizer que a descen­dência ímpia de Caim foi responsável por grandes avanços culturais que enriqueceram a vida humana. Isso não significa necessaria­mente que os descendentes da linhagem santa de Sete não tivessem habilidades culturais refinadas ou que também não tenham con­tribuído para o desenvolvimento da cultura humana. Significa apenas que a linhagem de Caim se distinguiu nisso. O fato de as contribuições culturais da linhagem de Caim serem usadas pelos grandes vultos do povo de Deus – Abraão, Moisés e Davi – é uma demonstração de que a cultura não é má em si mesma e existem elementos dela que podem e devem ser aproveitados pelos cristãos.

 III. Criação, redenção e cultura

Nenhuma doutrina bíblica existe isolada­mente, independente das outras. Todas elas se articulam e formam um conjunto. Há duas doutrinas importantes que se relacionam dire­tamente com a doutrina da cultura.
A doutrina da criação nos mostra que es­tamos no mundo. A Escritura nos ensina que Deus criou o mundo e tudo o que existe nele (Gn 1). Depois de ter criado tudo, Deus viu tudo o que tinha feito e tudo era muito bom (Gn 1.31). Isso inclui tudo o que existe, in­clusive o ser humano. Em um mundo em que tudo o que foi criado é bom aos olhos de Deus, podemos afirmar, sem medo de errar, que não apenas as criaturas em si, mas também as relações que as mantinham entre si eram muito boas. O modo como o ser humano se relaciona com o restante da criação de Deus é o que chamamos de cultura. Portanto, pode­mos afirmar que a cultura é fruto das relações muito boas que o primeiro casal estabeleceu com as demais criaturas de Deus, inclusive entre si mesmos, ainda no jardim, quando tudo era perfeito e o pecado ainda não havia feito estragos.
Podemos dar alguns exemplos desta cul­tura santa original: o primeiro casal comia, isto é, mantinha uma relação com a parte da criação destinada à alimentação humana (Gn 1.29), o que significa que, no jardim, havia uma gastronomia santa e muito boa; eles também se comunicam entre si, isto é, eles falavam (Gn 2.23) e a língua é um dos principais elementos culturais da humani­dade; eles também mantinham uma relação de serviço com a natureza, cujo cuidado e preservação lhes foram confiados (Gn 2.15). a relação com a natureza, sem dúvida, é outro elemento importante da cultura humana e o mesmo se pode dizer do trabalho. Por fim, o primeiro casal mantinha uma relação mútua entre si, isto é, eles se relacionavam como pessoas da mesma comunidade (mantinham relações sociais) e também se relacionavam como casal (mantinham relações conjugais). Estes dois tipos de relacionamento também são elementos presentes na cultura. Por todos estes motivos, podemos afirmar que o ser humano foi criado para estabelecer relações com o restante da criação de Deus, o que significa que ele foi criado como um ser cul­tural. Podemos afirmar, também, que a cultura estava presente no jardim de Deus antes que houvesse pecado. Isso é muito importante para nosso estudo e para nossa vida, pois nos mostra que a cultura não é má em si mesma. O que é mau é o estrago que o pecado fez nela. Portanto, podemos e devemos agir no sentido de restaurar os elementos culturais que são bons, ao mesmo tempo em que rejeitamos os que são maus.
A doutrina da redenção nos diz que não somos do mundo. A doutrina da redenção nos ensina que o pecado não tem a última palavra. Embora o pecado tenha desvirtuado e conta­minado toda a criação de Deus, inclusive as relações que os seres humanos mantêm com ela, isto é, a cultura, isso não significa que ela permanecerá contaminada para sempre. Quando a obra redentora de Cristo for com­pletada, a humanidade redimida e a criação serão novamente aperfeiçoadas e santificadas (com a diferença de que não mais haverá a possibilidade de o pecado estragar a criação de Deus). Portanto, as relações que os seres humanos mantêm entre si e com o restante da criação de Deus também serão aperfeiçoadas e santificadas, o que significa que a cultura hu­mana será redimida e os efeitos que o pecado produziu nela serão eliminados.
No entanto, a redenção que será com­pletada quando a igreja for glorificada não deve começar lá no fim da história, mas agora, assim como acontece coma a nossa redenção. Quando somos alcançados pela graça salvadora de Cristo, a redenção tem início em nossa vida e ela tem continuidade em uma vida de santidade e obediência até o dia em que, na glorificação, ela se tornará perfeita. A cultura humana, portanto, precisa começar a ser redimida agora e isso é uma missão da igreja. Temos que interagir com a criação de Deus e com a sociedade em que estamos inseridos, mas não podemos fazer isso de modo pecaminoso. Precisamos rejei­tar os elementos pecaminosos da cultura ao mesmo tempo em que precisamos fortalecer e estimular os elementos que se harmonizam com uma vida de obediência ao Senhor. é assim que a igreja age para a restauração e santificação da cultura.

Conclusão

Como uma das consequências temporais do pecado, a cultura humana foi contaminada, por isso ela também precisa ser restaurada. As expressões culturais, criadas por seres humanos portadores da imagem de Deus e capacitados pela graça comum, contêm elementos positivos que podem e devem ser aproveitados como bênçãos do Senhor e também elementos nega­tivos e danosos, que precisam ser rejeitados e restaurados em Cristo.

 Aplicação

Você consegue identificar elementos positi­vos na cultura em que você vive e que podem ser aproveitados na vida cristã? Consegue também identificar elementos culturais que prejudicam sua comunhão com o Senhor? Este é o primeiro passo para você glorificar a Deus com sua cultura e, ao mesmo tempo, com sua santidade.

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Cordialmente,


                                
>>Publicado na Revista Palavra Viva – Os seres humanos e a queda, 4º trimestre 2010, pela Editora Cultura Cristã

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