Argumento Ontológico de Santo Anselmo
Santo Anselmo apresenta o seu célebre argumento para existência de Deus. Argumento que ficou conhecido como "ratio Anselmi" entre os escolásticos.
O argumento parte da definição de Deus para extrair a sua existência. Anselmo define Deus como algo do qual nada maior pode ser pensado; Boécio já havia dado uma definição semelhante. Assim, a partir do momento em que compreendemos tal definição, Deus existe em nosso pensamento. Mas se ele existisse unicamente em nosso pensamento, poderíamos conceber uma coisa maior, uma vez que um ser que existe na realidade é maior que um ser que existe só em pensamento.
Porém, não podemos conceber algo maior que aquilo que é maior do que qualquer outra coisa, pois isso seria contraditório. Logo, Deus não pode existir só em nossa mente, tendo que existir também na realidade. Ou seja, ao dizer que Deus existe só em pensamento, Deus deixaria de ser perfeito, portanto, deixaria de ser Deus; assim cairíamos em contradição ao afirmar que Deus não existe. Conforme Anselmo disse:
"Cremos, pois, com firmeza, que tu és um ser do qual não é possível pensar nada maior. Ou será que um ser assim não existe porque "o insipiente disse, em seu coração: Deus não existe"? Porém, o insipiente, quando eu digo: "o ser do qual não se pode pensar nada maior", ouve o que digo e compreende. Ora, aquilo que ele compreende se encontra em sua inteligência, ainda que possa não compreender que existe realmente. Mas "o ser do qual não é possível pensar nada maior", não pode existir somente na inteligência. Se, pois, existisse apenas na inteligência, poder-se-ia pensar que há outro ser existente também na realidade; e que seria maior". (Proslogion; cap. II)
Assim, vemos que no momento em que concebemos algo como a maior coisa da qual se pode imaginar; este ser deverá existir, pois se assim não fosse estaríamos indo contraditoriamente com o que acabamos de aceitar. Nesse argumento, Anselmo visava demonstrar que a existência de Deus é uma verdade não só revelada, como também uma verdade evidente à razão. Esta, por sua vez, seria tão evidente que seria impossível sequer pensar que Deus não existe sem cair em uma contradição. O modo argumentativo de Anselmo denota claramente a sua posição perante o uso da razão no debate teológico.
2. Objetores a Santo Anselmo
A objeção de Gaunilo versa principalmente na idéia de que a existência de algo não pode ser derivada a partir de seu conceito, mas que a partir de constatada a existência de alguma coisa construa-se um conceito para definir o que ela é o que ela não é, pois se assim fosse não existiria a possibilidade de julgarmos algo falsamente visto que a realidade é extraída do pensamento. Então, não importa qual seja o conceito da natureza de Deus, a partir dele não podemos derivar que ele existe. Segundo Gaunilo se aceitarmos o argumento ontológico como válido estaríamos determinando a existência real de algo como um conseqüente da existência em pensamento; então não teríamos pensamentos sobre aspectos ilusórios e coisas inexistentes.
São Tomás de Aquino não aceitou o argumento de Sto. Anselmo, mas postulou cinco vias pelas quais podemos chegar ao conhecimento da existência de Deus racionalmente.
Descartes, na modernidade, retomou o argumento deixando claro a condição necessária de conceber a existência como parte da definição ou da natureza de um ser absolutamente perfeito. A posição cartesiana, por sua vez, acabou por possibilitar as críticas modernas ao argumento ontológico, como, por exemplo, as de Hume e mais enfaticamente as de Kant.
A posição de Kant é basicamente que a existência não é uma propriedade idêntica às outras, isto é, possui uma característica particular, não podendo ser atribuída ou retirada arbitrariamente. Essa crítica tem sido, de uma maneira geral, sustentada pela lógica que surgiu após o pensamento de Kant.
3. Argumento da Essência
É um argumento interessantíssimo, fundamentado na tese segundo o qual o conceito de um ser implica em sua existência. Foi formulado pela primeira vez por Anselmo de Aosta (1033-1109), considerado um santo pela Igreja Católica. Anselmo se indignou com o Salmos 10, 4 e Salmos 14. Recusava a possibilidade de haver pessoas néscias e os ignorantes que desconheciam a existência de Deus. De uma maneira bem geral, o argumento é o seguinte:
Todos concordam que o conceito de Deus é um conceito de um ser perfeitíssimo, e possuindo todos os atributos da perfeição, é o maior de todos os seres e não se pode conceber outro ser maior do que ele; se este outro ser concebido estivesse somente no intelecto e não na realidade, seria razoável conceber outro ser que fosse mais perfeito do que o primeiro, e mais ainda, de existir na realidade. Portanto, este segundo ser seria maior do que o primeiro, o qual disséramos que não poderíamos conceber um maior do que ele, o que é absurdo. Não há dúvida de que aquilo de que não se pode pensar nada de maior exista tanto no intelecto quanto na realidade.
O que Anselmo de Aosta pretende provar é que mesmo aqueles que nunca ouviram falar em Deus, acreditam em Deus ou podem ter o discernimento intelectual suficiente para concluir que ele exista.
4. Os Pontos Fortes no Argumento Ontológico de Anselmo
Este argumento inspirou diversos filósofos teístas, por isso, encontramos outras versões do mesmo raciocínio.
O raciocínio de Giovanni Fidanza Boaventura (1221-1274), teólogo da ordem dos Franciscanos é semelhante ao raciocínio de Anselmo de Aosta: Si Deus est Deus, Deus est. (Se Deus é Deus, Deus existe).
Já filósofo Wilherm Gottlieb Von Leibniz (1646-1716) monta o argumento da essência da seguinte forma: Um Ser absolutamente perfeito, se é possível, é um Ser existente, porque, do contrário, não seria um Ser absolutamente perfeito.
O filósofo deísta René Descartes (1596-1650) parte da mesma tese. O seu discurso e bem mais elaborado, e procede assim:
Deus é uma idéia de um Ser imutável, perfeito, infinito, etc. Nada provém do nada; tem de haver uma causa que põe em nós a idéia de Deus. Não sou eu próprio e nem outro objeto, ser humano ou fato que coloca esta idéia. Logo, há um Ser que causa essa idéia e que possui as propriedades mencionadas. Ora, a existência objetiva é mais perfeita que a existência subjetiva. Portanto, a causa da idéia de Deus, é mais perfeita que a idéia que tenho de Deus.
Em resumo, o que estes raciocínios pretendem provar é que não pode existir um Ser que seja tão perfeito, que possua todos os atributos da perfeição, inclusive o da existência, e este só exista no pensamento; tal Ser tem de existir também na realidade.
5. Os Pontos Fracos no Argumento Ontológico de Anselmo
O argumento da essência é um raciocínio de "círculo vicioso", uma tautologia, e por causa disso, apresenta as seguintes deficiências:
Há grande diferença entre uma coisa, um Ser, e o seu conceito (das propriedades de um conceito não se deduz a existência do seu Ser, assim como das propriedades de um animal mitológico, o unicórnio, por exemplo, não se deduz que tal animal exista).
A enunciação de uma propriedade não confirma a existência, para confirmá-la é necessário a demonstração.
O argumento ontológico da essência é impreciso nas definições dos atributos de Deus, afinal, o que vem a ser "existência"?
O argumento sofre da falácia de petição de princípio, ou seja, primeiro supõe a existência da divindade para depois tirar disto a sua "existência", dá como prova precisamente o que seria necessário provar: é um círculo vicioso.
6. Referências Bibliográficas
FAURE, Sebastião. Provas da Inexistência de Deus. Editora Germinal Ltda.: Rio de Janeiro, R. J., 1959. Tradução de Alfredo Guerra (Preuves de l'Inexistence de Dieu),
CORBISIER, Roland Cavalcanti de Albuquerque. Enciclopédia Filosófica. 1a edição. Editora Vozes Ltda.: Petrópolis, R.J., 1979 in verbete "Ateísmo" (pp.: 13-17).
STACCONE, Giuseppe. Filosofia da Religião. 2a edição. Editora Vozes Ltda.: Petrópolis, R. J., 1991.
SALOMON, Wesley C. Lógica. 3a edição. Zahar Editores S. A.: Rio de Janeiro, R. J., 1973.
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